Copa: a vingança dos corações solitários
12/06/14 02:06“Bendita abertura da Copa que acabou com o massacre romântico dos pombinhos”, discursa uma bela e exaltada moça, põe gostosa nisso, meu chapa!, aqui no La Boca, um extraordinaríssimo boteco bunda-pra-fora de Copacabana.
Um breve parêntesis antropológico: bunda-pra-fora é aquele típico e pequeníssimo ambiente familiar carioca no qual o freguês bebe no balcão com o traseiro para a rua, lua e alhures.
SP tem os pés-pra-fora; Rio tem os bundalelês ao relento.
Bendita Copa, mandava a incrível criatura de calça vermelha –ah, como cai bem uma calça vermelha em uma fêmea.
Na contramão geral do negativismo, a doença infantil que tomou conta de milhões de brasileiros, a nega exaltava o mundial de seleções.
Por uma razão nada ludopédica, zero futebolística.
Pelo que entendi, bisbilhotando a conversa alheia –missão primeira de um cronista de costumes- a magnífica morena havia tomado um pé-na-bunda recentemente.
Para quem ainda vive o honesto e quase obrigatório luto de um relacionamento, o dia dos namorados é mais massacrante ainda. A nossa bela desconhecida mascava, era notório, o jiló da solidão.
Ainda bem que a maldita data não vai vingar este ano, entrei na conversa, conselheiro sentimental vocacionado que sou.
Ainda bem que esta maldita data de hoje foi engolida pela fome de bola.
Ainda bem.
O dia dos namorados, pedi a pelota, para continuar com o meu lirismo populista: é um massacre publicitário do demo, uma humilhação, a ditadura do casalzinho feliz. Feliz ou supostamente feliz. Feliz ou não se aguentando mais, apesar de cumprir, falsamente, os rituais.
Quantos casais não estarão hoje, mesmo com Copa, teimando contra a espontaneidade e contra a vida. Quantos casais não estarão hoje em completo silêncio, sem mais nada para um pombinho arrulhar ao outro, ouvindo apenas o tilintar dos talheres naquele bistrô onde um dia tudo começou lindamente?!
Quantos homens terão que passar na farmácia e comprar os estimulantes sexuais para fazer aquele sexoxim obrigatório e sem amor?! Apenas para cumprir o serviço obrigatório da data!
É triste, mas temos que lembrar da melhor crônica sobre esse tema de todos os tempos, escrita pelo gênio mineiro e botafoguense Paulo Mendes Campos:
“O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas.”
É, amiga, o dia publicitário dos namorados é mesmo um massacre. Amor, verdadeiro ou falso, vende, romantismo é o melhor camelô da praça, sempre.
A solidão, amiga do La Boca, não vende celulares e outros badulaques modernos.
Que massacre. Celulares com planos para falar de graça (hello!) cem anos com a pessoa amada! Como se o amor não acabasse.
Vai ter Copa. E quem mais ganha com isso hoje são os solitários envergonhados de expor o olhar de “bom dia tristeza” por ai afora.
Viva a dispersão em massa da Copa, como bradava a musa do La Boca –si, botequim em homenagem ao time argentino, por supuesto.
Esse golpe publicitário de antecipar o dia dos pombinhos não deu certo mesmo. Hoje é dia da suruba coletiva. A Pátria em shortinho verde e amarelo.