(Ou Ninguém desaba apenas pelo hino a capela.)
Homem que é homem não chora. Ouvimos essa ladainha desde que nos esbarramos com o azulzão do desamparo que é soltar do útero para a vida.
Homem que é homem chora sim, embora sempre chore atrasado e invente uma desculpa, como o futebol, por exemplo, para chorar pitangas mofadas.
Um jogador brasileiro no momento do hino, por exemplo, está derramando lágrimas que deveriam ter irrigado a várzea, o bairro, os seus primeiros passos, a sua vida fora dos campos.
Os homens, com ou sem bola, lacrimejam…
Pausa para ouvir o vinilzão de “Boys Don’t Cry”, aí acima. Pedagogia pré-emo do solene e genial conjunto musical “The Cure”.
Homem que é homem chora deslocado do real motivo das lágrimas. Ou você acredita que aquele choro todo é por causa do “ouviram do Ipiranga”?
Sinto muito em dizer, homem que é homem sempre foi obrigado a congelar suas lágrimas. E assim rolam as pedras de gelo dos seus futuros uiscões.
Nascemos já ouvindo essa miserável e pobre sentença.
Meninos não.
Pense na responsa. Pense no erro como um monstro.
O choro contido, preso nas algemas arbitrárias do soluço –ou seria preso no maldito alçapão do superego de infalível atleta?
Pense na nuvem em tecla “rew” recolhendo a chuva que se anunciava um drama bíblico. A nuvem que se arrepende de molhar o mundo.
Agora repare comigo no choro sincero dos boleiros da Copa. Hoje vi até um uruguaio derramando lágrimas que fariam do rio da Prata um dilúvio dos Sem-Noé.
Só creio no homem que experimenta, nem que seja por 15 segundos, o desamparo. Aquele choro de morte.
O certo, amigo que chora com dificuldade, é que nunca vi tanto homem chorar junto como nesta Copa das Copas.
Que bonito é.
O hino a capela, o palo seco da canção patriota…
Até o mais burro dos mendigos de Viena, terra do Freud, sabe que o marmanjo não está chorando somente por causa do lábaro que ostentas estrelado. Ouviram do Ipiranga ou do Cais de Estelita que o choro, mesmo o choro do macho mais empedernido, é um Capibaribe que se junta ao Beberibe para formar um oceano Atlântico.
Os homens carecem apenas de uma desculpa cívica, de uma festa em família ou um porre maluco para liberar o choro preso por motivos bem mais nobres.
Quando Neymar desaba, quando Marcelo idem, quando até os nossos aparentemente viris zagueiros irrigam o gramado do Itaquerão e do Castelão com as suas lágrimas, algo mais forte terá rompido as paredes de todos açudes, todas as barragens apocaplíticas, todas as Tapacurás e seus boatos de inundação do Recife.
Como se rompesse um Orós em cada olho, como se aqueles meninos descobrissem o choro que vem do berço e irrompe neles de novo, aí incluindo o mal-estar da obrigação da vitória, os erros com mães/mulheres, as cobranças, a agonia de simplesmente existir e estar inteiro apesar de tudo.
Viver da forma mais besta e masculina é represar o choro.
Sábado eles irrigarão de novo, com lágrimas aparentemente patrióticas, o gramado do Mineirão. Por trás dos choros patrióticos ninguém jamais saberá os reais motivos, e isso é lindo, os homens choram pelas não-cachoeiras do passado.
Digo tudo isso e repito alguma coisa que disse em uma velha crônica:
Eis mais uma, entre as tantas, vantagens das fêmeas sobre os marmanjos: a coragem, o destemor, a arte de chorar em público.
Se o choro vem, as mulheres não congelam as lágrimas, como os moços, esses moços, pobres moços…
Não guardam as lágrimas para depois, como nós, que sempre adiamos as cachoeiras interiores, não levam as lágrimas para derramar escondidos na alcova.
Pior ainda é o homem que não chora nunca. Além de fazer mal ao coração, esse tipo não merece muita confiança.
As mulheres não, falo da maioria das fêmeas, desabam em qualquer canto e hora. Se estão mal de amor, choram na firma, no escritório mesmo, na fábrica, choram no trânsito, choram no metrô, simplesmente desabam.
Como invejo as lágrimas sinceras das moças.
Quantas vezes a gente não se preserva, por fraqueza, enquanto as lágrimas, em queda d´água, batem forte no peito machista e viram apenas pedras do gelo do uísque.
Como invejo as mulheres que misturam sim o trabalho com o drama furioso da existência.
Desconfio da frieza profissional, das icebergs de tailleur, que imitam os piores homens e guardam tudo para molhar o travesseiro solitário numa noite de inverno.
Ora, as mulheres podem ser infinitamente poderosas, administrarem plataformas de petróleo nos mares e chorarem um atlântico diante de uma indelicadeza da vida.
Lindas e comoventes as mulheres que choram em público, nas ruas, nos cafés, nos bares, nos restaurantes, no táxi. São antes de tudo umas fortes. Tristes dos que estranham ou ficam envergonhados com o mais verdadeiro dos choros.
Triste dos que acham que não levam a sério, que tratam como sintomas da TPM e chiliques do gênero, que fracasso. Ora, até mesmo os choros de varejo, não importam as causas, são comoventes. Chorar engrandece.
Fazer amor depois de lágrimas, então, é sentir o sal da existência, romanticamente, sem medo de ser ridículo ou cafona.
Acabei de testemunhar uma dessas lindas e corajosas moças, chorava no metrô da avenida Paulista.
Por que chorava aquela moça?
A moça não escondia os soluços do choro. Terá discutido a relação, a velha D.R., à boca da estação Paraíso? Veste roupa de trabalho sério, e chora.
Daqui a pouco estará sentada na sua cadeira de secretária, exímia, bilíngüe, a serviço da grana “que ergue e destrói coisas belas”.
Teria levado um pé-na-bunda, um fora? Teria visto o casamento pelo binóculo do titio Nelson Rodrigues? Perdoa-me por me traíres?
A moça que chorava sabia que o amor -repito o que já disse mil vezes no blog- é como o metrô na avenida Paulista: começa no Paraíso e termina na Consolação.
Pior sempre será o homem. De tanto esconder o jogo, jamais saberá o real motivo do choro. Nem Neymar nem ninguém chora apenas pelo hino.