O drama do homem-espátula
05/03/13 15:38Mais do que a era do amor líquido, vivemos o tempo do amor esfarelado, que acaba muitas vezes antes de bater o bolo.
Uns ainda se bolificam, a Lola espera o traste, que passara semanas tirando onda, no flerte, na corte, no 171 permanente do ambiente de trabalho, “como você tá linda hoje, nossa!” etc.
Todas as condições históricas estavam dadas, como diria meu coração comunista.
E coube ao desalmado, conta a leitora, brasileiríssima debaixo das palmeiras da Flórida, a iniciativa da saída. Ela estava ansiosa por algum convite.
O cara, qual um homem do tempo, viu até que faria frio no final de semana, o que não seria nada comum naquelas plagas.
“Seria ótimo degustar um vinho em sua companhia!”, disse, depois do um papo meteorológico.
De imediato, ela pensou:
“Queria que me degustasse!”
Mas, enfim, naquela esperança de que o vinho levasse a algo mais, calmamente disse sim: “Domingo seria perfeito!”
Tudo marcado, a moça depila, aqueles banhos bem-tomados, um jogo de adivinhação no chuveiro de como seria o cara, a nega toda trabalhada na Victoria Secret e outros badulaques etc.
Chega a fatídica hora e nada. O tempo passa, torcida brasileira, e necas. Ela manda uma mensagem de texto. Não vem nada de volta nem em Código Morse, domingo dos tambores silenciosos na selva de Miami, silêncio no planeta.
É, Lola, bata os ovos… junte a farinha… adicione o fermento e misture com a espátula do abandono, com a espátula do desprezo…
Estavam dadas as condições técnicas para o bolo. Um tremendo Souza Leão, um irresistível bolo de rolo, o chocolate da carência ou da larica de viver.
Somente na segunda-feira, a caminho do trabalho, ela recebe uma lacônica mensagem-cupim: “Trabalhei até tarde ontem”.
O que dizer?
Esse ai, amiga, nem podemos rotulá-lo de homem de Ossanha, o que diz que vai e “não vou”, como na canção de Baden & Vinícius. O Ossanha assanha, tira uma onda, arrega, não chega junto, mas pelo menos avisa, inventa uma desculpa.
Sim, ele tem um traço de homem-bouquet (vide posts anteriores), note-se que ele usou o perigoso verbo “degustar” em vez de beber, tomar um vinho etc.
Esse ai poderia ser chamado de homem-espátula, confeiteiro maluco, qualquer coisa óbvia do mundo do bolo e do forno em fogo baixo. Esse ai nem untado na manteiga, como no filme “Último tango em Paris”, funciona.