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Xico Sá

Modos de macho, modinhas de fêmea & outros chabadabadás

Perfil Xico Sá é escritor, jornalista e colunista da Folha

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Vanzolini, cascavéis e o amor que rasteja

Por xicosa
29/04/13 01:41

E lá se foi Paulo Vanzolini, 89. Não tenho nada a acrescentrar ao seu obituário. Deixo, porém, nesta madruga tingida de luto e melancolia, uma crônica sobre um dos seus maiores personagens: a mulher que ronda a cidade à procura do seu amor vira-lata.

V de vingança, V de Vanzolini.

A mulher chega na frente do bar, assim como não quer nada, vasculha com as vistas, e vai embora. Mais adiante repete o mesmo ritual em outra freguesia. Está desesperada à procura do marido, do traste, do vagabundo, como deve ser tratado doravante.

De tanto ver tal cena na capital paulista, quando trabalhava como patrulheiro de ruas no baixo meretrício, Paulo Vanzolini fez a música “Ronda”, como relata o poeta-sambista no filme “Um homem de moral”, dirido por Ricardo Dias.

Conheci Vanzolini pessoalmente há quase cinco anos. Na véspera das homenagens ao seu 85º aniversário. Diante de todo aquele samba-exaltação ao músico, ele dizia preferir receber todas as honras, vivo ou morto, pelo seu trabalho como zóologo da USP, doutor em biologia em Harvad, cientista especializado em répteis.

Havia começado, na obsessão por descobrir os mistérios da natureza, um estudo sobre o  comportamento das cascáveis. “Não estou falando das mulheres indomáveis, amigo”, mandava o chiste.

Criatura que rasteja, seja macho, fêmea ou bicho era com Vanzolini. A música dele está repleta da gente que esperneia, alma em desassossego, como a dama que procura o marido, amante  ou cacho em uma longa viagem ao fim da noite paulistana.

E foi ao ouvir de novo a canção que joguei na mesa do botequim o debate: esta mulher de “Ronda” ainda existe? A destemida que enfrenta o frio e as almas sebosas da madruga em busca do seu homem?

Há controvérsias, como diriam os diplomáticos. Ora, hoje em dia existe o celular, ela não careceria de tanta humilhação, diriam outros mais espertos. E se ele desligou o aparelho, como muitas vezes acontece nos chá-de-sumiço do gênero?

Um pouco da canção enquanto o leitor reflete sobre o tema: “De noite eu rondo a cidade/ A te procurar sem encontrar/ No meio de olhares espio em todos os bares/Você não está…”

O problema é que agora somos nós, os homens, que rondamos em vão à procura da cria das nossas costelas, opinariam amigos que se pelam de medo de um chifre. Até que faz sentido. Sintoma dos tempos, coisas da vida. Bem feito. Eu acho é pouco. Levamos o troco da história.

Vanzolini gira na agulha: “Volto pra casa abatida/ Desencantada da vida/ O sonho alegria me dá/ Nele você está…”

Coitada, você diria a essa altura, abaixou-se mais do que os répteis investigados pelo Vanzolini. Recolha a sua piedade, amigo, e aguarde as cenas dos próximos capítulos.

“Ah, se eu tivesse/ quem bem me quisesse/ Esse alguém me diria/ Desiste, esta busca é inútil/ Eu não desistia…”

Até ai tudo bem, rola o vinil na vitrola, mas a dama, logo adiante, já ensaia a tragédia: “Porém, com perfeita paciência/ Volto a te buscar/
Hei de encontrar/ Bebendo com outras mulheres/ Rolando um dadinho/Jogando bilhar.”

Como vê, amigo, o ciúme sempre corre na frente da realidade e puxa o rabo de todos demônios interiores.

Até o trágico epílogo: “E neste dia então/ Vai dar na primeira edição/ Cena de sangue num bar/ Da avenida São João.”.

Não foi por falta de aviso. Os seres que rastejam depuram no alambique do peito os venenos mais trágicos.

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Crônica do amor que começa

Por xicosa
26/04/13 22:01

Esta semana não tem jeito, esta semana é de conversa com Paulo Mendes Campos. Reler o homem dá nisso.

José Carlos Oliveira, mais um gênio da Cachoeiro de Roberto, Rubem Braga, Sérgio Sampaio etc, respondeu a PMC quando este escreveu, em 1964, “O Amor acaba”, um dos mais populares textos da literatura brasileira.

Ao reler a resposta, cocei os dedos para rabiscar também a minha versãozinha vagaba. Ei-la:

E quando começa o amor, Paulo? E quando começa o amor, Carlinhos Oliveira?

O amor começa, vos digo, em uma noite de sexta, a noite do pecado por excelência, o amor de uma comerciária que saiu de casa de vermelho, calcinha no capricho, crente que o amor principiaria, ela leu no horóscopo, Sagitário seu signo, o amor principiaria, qual o Gênesis, calcinha no esmero, o fiat lux, antes do último ônibus, no barzinho, na vida simples da música ao vivo, lua cheia, papel crepon, batata frita, o beijo-ou-não-beijo, será que ele presta?

Em Arcoverde, no sertão de Pernambuco, ao encontrar uma morena de Garanhuns, terra de 17 tons de morenidade, o amor começa. Era uma morena caldo-de-feijão-vermelho, melanciosa boca, buceta de manga rosa, batismo cítrico, diocesano, vida macuca.

O amor começa em qualquer geografia, LSD ou GPS. Na colina silenciosa do Pacaembu, SP, revendo um filme de Cassavetes, com as coisas dos anos 70 o amor rebobina e reverbera como o replay de ácido que teima a não sair do juízo, eternas ondas.

O amor começa, principalmente na rua da Aurora, Recife, na luz do fim de tarde, não peça que eu explique, são os mistérios do Planeta.

E quando você menos espera, o amor começa, sabe onde?, no joelho de Camila Pitanga. Um amigo meu, muito tempo atrás, viu que a nega sentia dores no joelho, talvez de um mau jeito na pista de dança. Pegou o gelo do uísque e botou nas dobradiças da deusa. Reacendeu os olhos da marlinda. Se aquele amor não deu certo, problema do amor mesmo, mas que algo começou naquele instante, ah santa fagulha!

O amor começa “ah lá em casa”.

Pobre de quem acha que o amor precisa que a fila ande. O amor é mais ligeiro, rápido, o amor é tão avançado, o amor é centroavante em impedimento.

Amor não carece de tira-teima.

Amor é impedimento. Como quem ama homem ou mulher casada, por exemplo. Isso não significa que o amor não tenha começado, mesmo de forma proibida, o amor não pede licença, o amor detesta o cartório, o amor cara-de-pau simplesmente começa.

O amor é tão lindo que às vezes já começa subindo os créditos do filme, uma transa e the end. Vai duvidar que era amor o que deveras sente até hoje!

O amor começa num lual. Costuma ser o amor “cuidado frágil”. Nunca confie num amor que começa com todo aquele cenário perfeito, maré cheia, música hippie, lua idem, tudo no clichê da lindeza.

O amor tem que começar, por exemplo, na contramão, o amor tem que começar em São Paulo, para depois evoluir até a beira da praia, uma pousada, o sal marinho que salva os velhos safados, uma metida em pé romantiquinha antes do jantar e da larica, a fome de viver, a perna bamba diante do garçom que pensa “já fui bom nisso”.

O amor começa quando o cafa cita na mesa “o amor acaba”.

O amor acaba quando o cafa é tombado e recomeça tudo de novo.

Por essas e por outras é que fico aqui bem paradinho, coladinho, porque se o amor se mexe muito, o amor já era, amar é coisa de superbonder, amor é stop, amor é…, parou, amor é estátua e um gato brincando por cima.

Quem nasceu primeiro: o amor acaba ou o amor começa?

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A utopia do bar perfeito

Por xicosa
24/04/13 17:22

“Para dizer toda a verdade, o bar perfeito não existe”, sopra, ainda de cara, um cronista do ramo, ele mesmo, o inimitável mineiro, carioca e botafoguense Paulo Mendes Campos, nuestro PMC.

No que adentra a taberna o Antonio Prata, paulista, corintiano, cronicamente mais jovem. Sacode o coreto: “Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins”.

O bar é o lar doce lar da crônica, essa vira-lata da literatura digna de iluminados vagabundos e mariposas idem. Cada um de nós temos os nossos estabelecimentos preferidos e tentamos decifrar, geração a geração, o que seria um decente pé-sujo.

PMC disse que um bar legal precisa apresentar cinco qualidades fundamentais:

1)   Boa circulação de ar;

2)   bom proprietário;

3)   bons garçons;

4)   bons fregueses e

5)   boa bebida.

A teoria está na crônica “Por que bebemos tanto assim?”, página 38 da coletânea “O amor acaba” (ed. Companhia das Letras).

PMC explica, então, como não existe o bar perfeito:

“Quando o garçom é um flor de sujeito, o dono do bar costuma ser uma besta; se os fregueses são alcoólicos esclarecidos, o ambiente às vezes é quente e abafado; vai ver um excelente e confortável bar refrigerado, e boa porcentagem de uísque é fabricada no Engenho de Dentro”.

Realmente, amigo, é difícil um botequim fazer a quina pleiteada pelo cronista. Por enxerimento na crônica alheia, acrescentaria mais dois critérios: preço bom/justo e choro.

Não respeito bar que garçom não chora na dose. É mais uma instituição nacional que está sob ameaça. Sei que a culpa pode ser debitada ao item 2 da lista de PMC: falta de bons proprietários.

Para o mulherio, um bom banheiro também entra no código das exigências. Justíssimo.

Enfim, não deixaremos de buscar o bar perfeito.  Conto, nesta sagrada missão, com o palpite dos amigos.

Alguma dica de estabelecimento que se aproxima do ideal de Paulo Mendes Campos?

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Miss até de 4 anos é moda em concurso

Por xicosa
23/04/13 20:22

Dou de cara, aqui em andanças na margem esquerda do Capibaribe, no Recife, com um outdoor que convoca meninas de quatro anos de idade para um concurso “oficial” de miss.

Fico abismado com a idade. Vou checar e reparo que é moda no Brasil inteiro. Tem até um miss mundo na mesma categoria.

A disputa acontece em quase todos os Estados, promovidos por diferentes produtoras. O de SP você pode verificar aqui neste link.

Miss de quatro anos? Isso mesmo. De quatro a seis anos concorrem na faixa Mirim; de sete a nove na Infantil; de 10 a 12 na Infanto-Juvenil e entre 13 a 17 na Juvenil.

Óbvio que a iniciativa para inscrever as meninas é dos próprios pais. O concurso paulista, por exemplo, cobra R$ 150 de inscrição por cada seletiva e não estabelece um valor do prêmio –depende dos patrocinadores, diz o regulamento.

Você, leitor menos espantado, há de dizer: não vejo nada demais, as emissoras de tevê há séculos promovem shows de crianças com mais erotização precoce do que um inocente concurso de miss.

Ao me deparar com o outdoor, convocando crianças tão precoces, matutei: como uma mãe leva uma filha com essa idade para a exposição na passarela?

Exagerada correção deste cronista de costumes? Hoje só tenho perguntas, desculpem. Como diz a música de Roberto & Erasmo, “quem sabe menos das coisas sabe muito mais que eu”.

Para não ficar somente na minha velha opinião formada sobre tudo, divido a bola com os leitores.

O que acham? Normalíssimo? Incômodo? Bizarro? A definição, por favor, é com vocês.

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A mulher canta o homem -ainda um tabu

Por xicosa
22/04/13 11:54

Por mais que tenha se tornado comum em tempos modernos, algumas mulheres ainda têm dificuldade em cantar um homem ou simplesmente fazer um convite para um café, um drinque, um jantar etc.

Este é um dos assuntos corriqueiros nas cartas recebidas por Miss Corações Solitários, a consultora sentimental deste blog.

A situação: a mulher menos atirada –ou menos decidida, como se define- está a fim de um cara. Acontece que ele parece interessado, mas também não se pronuncia, não sai para o jogo, como diríamos em bom futebolês.

Que fazer?

Perguntar qual é o face do rapagão e iniciar uma conversa como quem não quer nada? Trata-se de uma bom começo.

Aqui na virtualidade a mais recatada das mulheres, depois de duas taças de vinho, vira uma Luz Del Fuego. O mais tímido dos homens, do tipo que ainda ruboriza diante de certas situações, também se solta e diz coisas que até Deus duvida.

O problema é que a maioria dessas tentativas fica apenas na empolgação da virtualidade erotizada. O desejo escorre pelo ralo do amor líquido e nada acontece para valer no bate-coxas da vida à vera. Pena.

Nada mais excitante do que levar uma cantada de mulher. Daquelas diretas. Na lata quente da testosterona. Mas tem homem que (ainda) se assusta, amiga. Uns chegam a julgar como vulgaridade. Como se estivéssemos em 1900 e lá vai pedra.

Educado sob o signo da sedução lânguida da mocinha de telenovela ou do cinema americano, o macho latino não está preparado para ser objeto de desejo. Não sabe o que está perdendo.

Muitos machos ainda acreditam que agindo dessa forma o mulherio moderno esteja apenas repetindo o pior do comportamento masculino. Não creio. Trata-se apenas de um manifesto, diante de um cara que a interessa. Seja por uma noite ou seja por mil e uma –o homem somente para transar e o homem para casar.

Seja qual for o interesse, uma cantada feminina é muito comovente. Seja para um enrosco imediato e à queima roupa ou seja para dizer um educado “não” camuflado naquele clássico “veja bem…” e outras tantas reticências.

Desperte a mulher-pedreiro que existe na argamassa do inconsciente feminino. Não perca tempo, amiga. Nada como segunda-feira sem lei para cantar aquele homem do tempo que fica apenas no chove-não-molha.

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Homem moderno: a crise de comparecimento

Por xicosa
18/04/13 19:22

O tipo de carta que Miss Corações Soltários –sabida e havida como consultora sentimental oficial deste blog- mais recebe no momento pode ser resumida em um parágrafo de M., leitora do interior de SP, uma virginiana que ama ser discreta, como quase todas, e assim se descreve:

“Tenho 43 anos, não sou nenhuma miss, mas não sou feia, sou inteligente, bem humorada, vivo de bem com a vida, apesar de saber de toda a minha responsabilidade e a solidão que insiste em estar ao meu lado.

Sinto-me muito só, estou sem namorado e estou achando difícil encontrar alguém, não sei bem por quê. Será que os homens só querem as mulheres mais novas? Não sou atirada, de chegar, dar em cima, sou bem discreta.

(…)

Virginiana, adoro a discrição… Tento ser um pouco mais atirada, mas acho que não está funcionando bem, kkkk….

Bem, queria sua opinião como homem sobre estas minhas dúvidas??!!! Está difícil mesmo?”

Querida M., não está fácil para ninguém. Queixam-se as Lolitas, reclamam as lindas afilhadas de Balzac.

Não está sendo fácil, como escuto aqui da Kátia, a cantora cega afilhada do Roberto.

Miss C. Solitários, porém, não cai nesse conto. Não gosta desse lenga-lenga tipo David Copperfield.

A nuestra cigana e consultora amorosa vai direto ao ponto:

“Não caia nesse conto homofóbico da ditadura gay, meu anjo. Cada um na sua, no problem”, discorre a danada. “O que a mulherada enfrenta é a epidemia do homem frouxo”.

O homem frouxo não chega nem a ser um homem-Tim Maia, aquele que enche o saco e não comparece mesmo.

O homem frouxo sequer é um homem-Ossanha, aquele, a exemplo do afrosamba de Baden/Vinícius, que diz que vai e não vai.

O homem frouxo é quase uma abstração.

Sofre de um grave problema de comparecimento, de presença, o homem não passa de uma elipse de gênero, retrocedeu à infância e morre de medo de tudo que desconhece.

Estará o homem perdido por causa da fêmea que avançou tanto e hoje se acha?, indago também Miss Corações Solitários com minha questão mais óbvia.

“Se macho está perdido, não sou eu quem vou procurá-lo, como diz meu chapa Marçal Aquino”, responde.  “O homem anda muito é brocha (ou broxa, seu Aurélio”.

Tem jeito, Miss?

“Quem sabe?”, ela responde enigmática.

E você, amigo, amiga, a que atribui essa crise masculina de comparecimento?

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Encaixotando os amores perdidos

Por xicosa
17/04/13 11:37

Por causa de uma mudança, estive um pouco ausente aqui do nosso banco de praça. Mudar de casa é uma trabalheira.

Só não é mais complicado do que mudar de sexo. Ou mudar de mulher. Ou mudar de marido.

No que o DJ imaginário solta a trilha “Mudanças”, clássico da Jovem Guarda da Vanusa. A musa recomenda: revirar gavetas, sentimentos e ressentimentos tolos etc.  Estou dentro.

Mudar é bronca, mesmo no meu caso, que farei a menor mudança do mundo: apenas um gato e um pendrive com as crônicas do amor louco para eventuais reciclagens.

Perdão, minha mulherzinha amada, levarei também os vinis Burt Bacharach –atenção que o cara faz show sábado em São Paulo, imperdível. Burt Bacharach para dançar de rostinho colado.

O pior da mudança, mesmo com o meu desapego adquirido com a práxis cigana –não com as ilusões do orientalismo de boutique-, é tropeçar nos objetos que marcaram, de alguma forma, os ex-amores.

Sem se falar nas cartas no fundo daquela gaveta esquecida, caligrafia caprichada de moça que ama, os beijos de batom impressos para sempre, as promessas, venho por meio desta… Uma romana me mandou uma fábula de Morávia…

Os utensílios do lar também falam alto, repetem antigas declarações, nos lembram velhas dores mumificadas. Aquele escorredor de macarrão que matou nossa fome dominical com tv a cabo e DVDs incompreensíveis.

Desapego. Cavaleiro solitário vende/doa tudo.

Viva mais um ritual de passagem e mudança. Aqueles lençóis que encobriram nosso desamor final e nossa preguiça de segunda-feira, nossa inércia, o edredon que abafou e adiou o “the end” e os créditos finais do nosso filme.

Solta a voz, Vanusa!

E como a gente guarda coisas que nem sabia tê-las. Assim como cartas, papéis avulsos, recortes sentimentais que julgávamos esquecidos. Qual o quê, basta uma polaroide borrada da Cindy para rebobinar um amor que não houve.

É mandar tudo para a feira Benedito Calixto dos amores perdidos ou para a rua do Lavradio das paixões rústicas, trincadas e envelhecidas.

Mudança é trabalheira por dentro e por fora.

Vamos nessa. Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar, já dizia o filósofo do mangue.

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50 razões para acordar na 2ª em SP

Por xicosa
15/04/13 02:55

Anote aí, tio Robert, a quantas razões chegaremos. Faremos todo esforço de reportagem.

Cada um tem suas esquisitas razões para acordar em uma segunda-feira fria em São Paulo. Nunca conheci, porém, quem tivesse mais de duas ou três, se muito.

A não ser um incorrigível tarado.

A tara, em vez da alegria, amigo Oswald, é a prova dos 9.

Despertai.

A sineta da obrigação chama os homens na responsa, mas há sempre algum mistério entre o toque e o pulo da cama. Eis o mistério da vida.

Entre o bocejo e o palavrão. Uns rezam salmos otimistas, outros oram ao santo Cioran e à inconveniência de haver nascido.

Tudo muito justo.

Há o homem sério e fatigado com o final de semana com mulher e filhos que não vê a hora do imoral encontro com a amante da firma.

O sexo no hotel de alta rotatividade na hora do almoço com a secretária que acabou de ler “Toda Sua” ou os tais “50 tons de cinza”, o livro por excelência da segunda-feira paulistana.

O homem sério e fatigado que volta culpado ao seu departamento com 50 razões para enricar o patrão e empobrecer mil vezes a alma. Teve, porém, um motivo para acordar, pronto. Ganhou o dia, seja lá o que diabo isso signifique na conta final dos homens.

Retornará bondoso para casa ao final do expediente. O homem fatigado beijará as crianças e será mui amoroso com a legítima costela. Eis o jogo da existência.

Há também a danada da afilhada de Balzac em febre pelo estagiário. Só um bom sexo ou um porre idem salva uma segunda sem lei em SP de uma sonsa gostosa e casada. Bem-feito, assim é que se faz com aquela cara de marido.

Há quem queira apenas zoar os amigos que fracassaram com seus times no final de semana, afinal de contas homem é mesmo um bicho simples, deselegante e besta. Vai, Corinthians, que eu fico aqui para contar a história.

Há quem esteja ensaiando pedir aumento há uma cara. Ensaiou até na frente do espelho. Saiu do metrô com o discurso pronto. E tudo adiado para a próxima segunda de novo.

Há quem apenas repita o que leu nas revistas normais sobre o bodemate, o novo expiatório inflacionário da moda “tomate maravilha”.

Há quem esteja feliz apenas por ter matado os colegas de inveja com os cliques no Instagram e no Facebook. Aquele final de semana perfeito com belas fotos de entrada, prato principal e sobremesa do almoço romântico de domingo.

Sim, feliz apenas por ter matado de inveja a turma que apenas escorreu o frio espaguete da solidão televisa.

Rede social é vida privada para humilhar em público. Mas por favor, sem tese antropológica, ai que preguiça!

O certo é que cada um tem suas esquisitas razões para acordar em uma segunda-feira em São Paulo.

“Prefiro não tê-las”, resmunga aqui o Bob, meu brother niilista da Cantareira. “A não ser que fosse uma puta com dente de ouro, coisa que não existe mais “, completa, no seu inglês ZN, na imitação barata da prosódia do poeta Charles Bukowski.

Consigo até ser otimista de segunda, mas não assim tão cedo, Bob.

Deixa a noite cair que as razões abundam e levo a Carolina F., amante de uma boa causa e do bloody mary, para aumentar deliciosamente a inflação do tomate e abaixar o déficit de amor em SP, por supuesto.

Uma segunda sem lei para todos!

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O tesão de não tocar a mulher adormecida

Por xicosa
12/04/13 18:47

Tu apagaste (ainda) na minha sala e só me restou fazer como aquele velho do livro japonês.

Se soubesse tinha cortado a água que passarinho não bebe. Não, isso não se faz com uma gueixa que ama os pássaros traupídeos, os assanhaçus.

Te olhei a noite inteira como mirava aquele ancião da casa zen das belas adormecidas.

Sem poder tocá-la.

Te olhei como nunca. Cada fiozinho da sobrancelha e olhei os fiozinhos das entranhas como um cego lê em braile por debaixo dos lençóis.

Havia um laço na calcinha, desenlaçável até para o mais ágil dos caubóis laçadores de mustangues. Vide o filme “Os Desajustados”, com a Marilyn e uns canalhas geniais.

No que fui com a mão esquerda rente aos pêlos mas erguendo a calcinha aos céus possíveis, na contra-força da lei da maçã de Newton, de modo a não tocá-la de forma alguma.

Não era a hora do fatal descuido. Mulher tem hora, minuto, segundo, aprendi com minha gatinha de quatro pés, a Deli, que existe o momento certo para se ter uma fêmea colada com superbonder na sua costela.

Nada dá mais tesão do que chegar à menor distância possível de uma pele. Sem tocá-la. O silêncio engasgado na respiração mais profunda.

O suspense.

O suspense de que alguma buzina de contrariedade e angústia (de cidade grande e perdição idem) te faria abrir os zolhinhos a qualquer espanto ou junguinismo sonhento.

Nem.

A um centímetro dos mamilos. De olhos bem fechados. Vi o direito crescer de modo a relar meus dedos, no que recuei uma coisinha de nada possível.

Os pelinhos das coxas, eriçados, ressuscitaram de todos os salões depilatórios e difamaram a cera negra espanhola. Senti os pelinhos quase a tocar a linha da vida da minha mão torta.

Eras a giganta de Baudelaire crescendo nas retinas das minhas impossibilidades morais.

A arte zen de andar na bicicleta dos aros dos meus óculos, as duas rodas que movem moinhos, os sonhos que explicam um conto de Cortázar.

Estive a meio centímetro da tua vulva indecifrável, bonito desenho sinuoso, labiríntico, estive a meio centímetro, a décimos de nonada, com todos os dedos, inclusive o anelar médio da nossa futura aliança que já brilha no infinito.

Amei, porém, aquele tão longe tão perto como a melhor das penetrações do mundo.

Era preciso perceber o que separa um homem acordado e uma mulher desmaiada.

Agora o travesseiro me diz todas essas coisas e sabe separar teu cheiro nas minhas narinas dos cheiros à prova das melhores lavanderias do universo.

Não tocar é estar mais que dentro.

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A bela desculpa é a melhor declaração amorosa

Por xicosa
11/04/13 20:06

Uma desculpa furada não vale uma pataca idem, um dólar esburacado do cine spaguetti ítalo-americano.

Uma desculpa mais os menos, dependendo do estágio do romance, tudo bem, ele(a) ainda tem crédito, morte a crédito, cutucaria o fdp do L. F. Céline.

Uma bela desculpa, porém, vale mais que uma declaração de amor, vale como o bis declaratório, a lua-de-mel restaurada favo a favo.

Uma bela desculpa comove e amplia o desejo, a fome, a larica, o apetite carnal e romântico.

Como vi agora na mocinha do filme “The Kentuckian –“Homem até o fim” na versão brasileira-, um western de 1955. Na direção e no papel principal, ele, Mr. Burt Lancaster.

-Foi a melhor desculpa que ouvi na vida! –derrete-se ela, uma singela professora de um “pueblo” perdido na América do século XIX.

Ela marcara de fazer um jantar para o cowboy-lenhador e o filho dele. O pobre homem tosco esqueceu o compromisso. A moça ficou muito triste.

Depois de horas, comida entregue às moscas da frieza e do abandono, o cavaleiro solitário bate à porta do rancho:

-Desculpa, nunca havia sido convidado para um jantar, a noite estava ideal para a caça, havia prometido ao pequeno Eli levá-lo comigo… Eu sou um homem que viveu a vida inteira nesse outro mundo selvagem.

A tradução não é literal, mas o sentimento é igualzinho a este que descrevo.

Derretida, a mocinha disse “entra e vamos comer a comida fria mesmo”. O cowboy rumava ao velho Oeste, mas acabou encostando seu cavalo.

Nada como um pequeno erro e uma grande desculpa.

Triste do homem que não carece de uma bela justificativa.

Perde a chance, por soberba ou cinismo-cafa, de refazer o sorriso no rosto de uma dama. Refazer o sorriso, como um ourives, é tão precioso como provocá-lo pela primeira vez.

A lição sempre esteve nos desbravadores do gênero westner. Tudo que sei sobre moral aprendi no faroeste. E as fitas com crianças no meio são as mais dignas, como “Shane” (“Os brutos também amam”), por exemplo, assunto para nossas futuras conversas aqui mesmo neste saloon onde os frouxos não têm vez.

Seja homem até o fim, amigo, é a única e digna saída.

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