Na noite com Picanha e Pedro Juan Gutierrez
16/05/13 20:41Lá se foi o amigo Paulo de Tharso, 52, o Picanha (foto), vulgo cuja origem é um personagem do seu livro “O dia de Santa Bárbara”. O Mário Bortolotto foi quem sacou o apelido. Ator, músico, poeta, pisou fundo na vida, viveu na sístole & diástole da respiração do blues.
Descansa em paz, viejo Picanha. Gracias pela antologia de ensinamentos na madruga da Roosevelt, bar Amistosas e arredores. Sem se falar nas traduções simultâneas de canções do Boris Vian (abaixo) e outros desesperos de rotina.
Deixo ai uma crônica em que registro o nosso encontro com o escritor Pedro Juan Gutierrez, naquela noite em que alertaste o cubano sobre os erros de expressões francesas contidas na “Trilogia Suja de Habana”. Eis o relato:
“Se o macho está perdido, amigo, como se apregoa por ai, não sou eu que vou procurá-lo”, bafejou o escriba Marçal Aquino, em animada mesa da nossa taberna lítero-boêmia em São Paulo de Piratininga, a Mercearia São Pedro.
Claro que o chiste do autor de “Faroestes” rendeu e desabou, graças ao abençoado tonel de Salinas, para uma buena onda digna das páginas mais quentes do cubano Pedro Juan Gutiérrez, que também nos dava a honra àquela noite em que até a lua, tão cândida, expelia garoa de testosterona e macheza.
É, amigo, nunca foi tão difícil ser homem, melhor, nunca foi tão difícil ser macho, para usar a acepção mais apropriada. “Os dilemas são muitos e o meio termo corre sempre o risco de ser mal-compreendido”, bradou algo assim um delicado rapaz de boina cujo batismo me fugiu na ressaca.
“Pára com isso, meu caro!”, atalhou o próprio Aquino.
Continuar sendo o velho e irredutível macho-jurubeba, o macho à válvulas, ou ceder às saudáveis tentações dos metrossexuais e outras vãs modernagens?
“Que pasa?”, manifestou-se o Gutiérrez, abusado.
O ideal, para os novos tempos, a voz dos moderados, seria dosar um pouco de macheza à moda antiga com mais cuidado com a aparência, uma guaribada no guarda-roupa, uma cosmética sem exageros… A diplomacia seguiu noite adentro, não me pergunte de que parte dos cavalheiros.
“No pasa nada!”, advertiu o bravo Picanha, messiê Paulo de Tharso, que se estranhara com o cubano em uma treta lá qualquer, ave memória, sobre expressões gaulesas. “O cubano não aguentou a onda, Xico, não entendeu a sacanagem, vou deixar esse cabrón maluco!”.
O debate-macho prosseguiu. Nada de ostentar uma bancada de creminhos maior do que a da patroa. “Prefiro não! Assim não dá, camaradas, elas odeiam esse tipo de concorrência”, esperneou Reinaldo Moraes, o Reinaldão do clássico “Pornopopeia”.
“Ah, minha gente, um Lancomezinho não tira pedaço”, provocou Marcelino Freire.
“Pelas barbas do profeta”, disse Terron.
“Marquinhos, uma Germana!”, foi tudo que tinha a dizer sobre o assunto o Bressane.
“Ah, eu amo homem cheiroso e bem-cuidado”, pôs lenha pra queimar na churrasqueira a amada Ivana Arruda Leite.
Mas ai não correríamos o risco de perder a personalidade, a pegada?, indagariam os mais tradicionais, aqueles que nunca se permitiram a nada mais do que um punhado de Minâncora ou banha de peixe-boi da Amazônia sobre uma espinha ou um cravo revoltoso.
Perfume ou cheiro natural de homem?
“En Havana mejor sucio mismo”, prossegue dom Gutierrez, pelo que entendi do seu espanhol selvagem.
E tome dilemas noite adentro.
Estão vendo como não está sendo fácil ser macho nos tempos modernos?!
“Macho que é macho não fala a expressão tempos modernos”, Marçal solta o jab de esquerda.
Picanha sorri a sua melancolia mais sagaz e Pedro Juan Gutierrez parece ter encontrado o melhor amigo fora da Ilha. O mestre Picanha ganhava mais um round no ring da noite.