Só a rua saberá a resposta
18/06/13 01:16Terra em transe, velho Glauber Rocha, o simbólico e contraditório rochedo brasileiro, sempre.
Esse negócio de entender manifesto de rua é pra direita e esquerda antiga. Já era. Não entendem nada.
Esse negócio de entender é para entendidos, estou fora. Assim como aquele best-seller, só o vento saberá a resposta.
Desejos difusos & complexos, caro Sigmund, Freud, a voz das ruas, o indecifrável boquete, nem que seja inconsciente, da massa, sempre na retaguarda da história, a oralidade mais linda, o direito de dizer, o grito é gula e manifesto.
Chama o Gilberto Freyre, o mais contraditório de todos, safado pelo alinhamento orgânico e visceral à Ditadura e moderno que só a porra na compreensão da tal brasilidade.
Entendimento e polêmico fácil é pra gente burra, eu quero é complicar a parada. Bora.
O doido, amigo, é saber o que a gente quer e nem sabe direito ainda. Falo sobre as levas nas ruas desta hora do protesto contra…
Então me valho também de seu Kafka, para completar meus três guias geniais, não apenas nesse texto, se é que eu entendo direito do universo do meu trio de atacantes.
Deixarei Darcy Ribeiro para futuros embates… Na reserva antropológica, vê se pode. Ali no banco junto com o dotô Sócrates, o amigo que mais me ensinou coisas nesse mundo.
Só sei que nada sei na riqueza dessa hora. Sigo com meus guias simplesmente por não entendê-los o suficiente nas suas sabedorias legítimas, rogo ao que me é caro, bonito e incompreensível, assim é a existência.
Se precisasse do óbvio, ligaria a tv na Rede Globo, na Bandeirantes, na Record, SBT, pronto, ou compraria um jornal na banca da esquina.
O bom deste momento é que a explicação não é nada simples, como acreditam os comentaristas de plantão dos telejornais e a passarinhada, na qual me incluo, das redes sociais.
O mais interessante dessa onda de protesto é que o levante é indecifrável para a política tradicional, para a maior parte da imprensa idem.
O mesmo vale para quem é de direita, de centro e de esquerda ao modo mais antigo, por supuesto.
Cada um reage de um jeito, só a ignorância fardada se repete, sob as ordens: desce a lenha indiscriminadamente, seja a tropa de Alckmin, Aécio ou do Cabral, o encobridor, no Rio de Janeiro etc.
Bala de borracha não tem partido e ali onde eu chorei qualquer um chorava com o gás lacriminoso de sempre, porra, diz a mina, chegando aqui no meu colo a essa altura.
A classe da política convencional foi educada para bandeiras pontuais e negociações mais óbvias, como a troca de cargos pelo cala-boca etc, dado cordial que se arrasta do Império até hoje cá Dilma, com Aécio, com Dudu, com todos os pretendentes ao trono de novo.
E há quem queira, na sub politicagem, pegar carona geral na saudável baderna de la calle –depois eu explico, antes que você ache que estou contra o movimento.
O caroneiro mal sabe aonde pode ir o bonde da história quando se solta nas ruas uma legião de ânimos e sambas exaltações às mudanças –mesmo que não se saiba quais mudanças agora, pouco importa, que se mude o estadão das coisas, como diria Wim Wenders.
O que quer essa rapaziada? Nem o velho Sigmund, ainda bem, explica. Quer se manifestar e isso diz tudo. Pelo direito de dizer coisas, como me disse ontem o Michel Mellamed.
Se fosse a manifestação contra um velho ditador egípcio era mais fácil explicar em cinco linhas de um telegrama da Reuters. Não se trata da obviedade das primaveras de longe. Somos tropicais e mais labirínticos.
Vivemos um regime democrático, da maneira mais antiga das representações, mas vivemos.
Ai talvez esteja o ponto: a democracia ao longe, como a de Brasília, precisa mudar geral, incorporar a decisão a cada quebrada, bairro, aldeia de Tolstói, o sítio do meu pai lá no Araripe, por exemplo.
O que quer a rapaziada?
Sim, a turma quer a queda do preço da passagem de ônibus, mas essa foi apenas a espoleta da hora. Acreditar só nisso é a mesma coisa que perguntar: mas apenas por 20 centavos de aumento?
Quer mais é protestar geral, quer inclusive a arruaça, badernar no Congresso e na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro –esse, aliás, não é apenas um desejo de jovens de 17 anos. Daí o que o poder pode usar esses meninos para maldizer o resto, só amanhã saberemos, embora eles tenham feito o que todos nós temos vontade.
Vontades guardades, vixe!
Dá vontade de volver aos 17 em muita gente, inclusive neste cronista velho e safado, como na canção de Mercedes que ouvia lá na rua das Ninfas com Progresso, Hellcife, Pernambuco. Vontade de brigar com assembléias e congressos.
Errado?
Ou só vale, para efeitos morais de protesto, a gente boazinha e organizada? Só vale o protesto certinho? A anarquia não vale com 100 mil nas ruas? Se liga, humanidade. E se entrar um dia na bagunça a gente feia, suja e malvada, como no clássico do cinema italiano?
E se minha faxineira resolver entrar no jogo, em vez de ficar apenas limpando minha casa para quando eu voltar do protesto e encontrar tudo bonitinho?
Aí o bicho pega e vai ser lindo. Afinal de contas, como diz o Leminski, na lucha de classes todas as armas son buenas…
Mais ou menos como já são os agitos dos sem-teto e dos sem-terra o ano inteiro. Esses são ameaçadores de verdade da ordem, são os homens de boa vontade, bíblicos. Pouca gente aparece aqui nas redes sociais para apoiá-los. Se muito meio segundo no “JN” quando ocupam as fazendas de laranjas dos laranjas e outras cítricas assombrações patronais.
Mas tá valendo. Não é isso que está em jogo agora, velho Glauber.
Falar nisso, corto, sabem a origem da palavra baderna? Era o sobrenome de uma bailarina bem louca, anarquista italiana, que arruaçou no Rio do século XIX e daí esta palavra que virou manchete hoje.
Por favor, não me entenda, mas se você leva mil, 5 mil, 10 mil, 100 mil pessoas às ruas, como foi o caso da Candelária corre esse risco.
Não adianta esse lenga-lenga, inclusive de alguns líderes da parte “mais sensata” do movimento, de rotular de vândalos o que, possivelmente, fuja do controle. É o risco da praça quando vira território livre. Risco que já deu em revoluções e também já deu em muita merda sem sentido.
Risco que deu, seja no subúrbio de Paris recentemente ou no centro do Rio e SP, em flamejantes episódios.
Ir para as ruas sempre implica no imponderável. O resto é mofo ou ranço da história. É a hora que a ordem estabelecida vira piada.
A bonança, não o risco, de ir para as ruas é isso, ninguém sabe aonde vai parar o bonde. E não vai ser a mídia a ditar o ritmo da carruagem, como acreditou nos últimos dias, quando chamou todo mundo de vândalo e mudou dois dias depois.
Sabe-se lá por quais vaias ou conspirações, meu repórter João Valadares, deve ter mudado milagrosamente a mídia. Talvez, voltemos às caronas da história, por acreditar em só enfraquecer a presidente Dilma como candidata. Vire-se a Dilma, estamos apenas analisando a história recente.
Como se na onda toda fosse possível passar essa leitura. É bem mais complexo, amigo(a), me ligo, se liga, a vida é um tê, um benjamin de três tomadas, no mínimo.
Só sei que nada sei, só sei que Kafka seria capaz de entender tal metamorfose.
Só sei que nem o mito do futebol como ópio do povo, como acreditava a velha esquerda, resiste a esta hora. A Copa das Confederações que o diga. Nunca se protestou tanto exatamente contra os gastos dos eventos de hoje e do futuro.
Isso tudo, amigo, é para a gente tentar decifrar as coisas. Simbora.