O segredo das lágrimas de macho
25/06/14 03:26(Ou Ninguém desaba apenas pelo hino a capela.)
Homem que é homem não chora. Ouvimos essa ladainha desde que nos esbarramos com o azulzão do desamparo que é soltar do útero para a vida.
Homem que é homem chora sim, embora sempre chore atrasado e invente uma desculpa, como o futebol, por exemplo, para chorar pitangas mofadas.
Um jogador brasileiro no momento do hino, por exemplo, está derramando lágrimas que deveriam ter irrigado a várzea, o bairro, os seus primeiros passos, a sua vida fora dos campos.
Os homens, com ou sem bola, lacrimejam…
Pausa para ouvir o vinilzão de “Boys Don’t Cry”, aí acima. Pedagogia pré-emo do solene e genial conjunto musical “The Cure”.
Homem que é homem chora deslocado do real motivo das lágrimas. Ou você acredita que aquele choro todo é por causa do “ouviram do Ipiranga”?
Sinto muito em dizer, homem que é homem sempre foi obrigado a congelar suas lágrimas. E assim rolam as pedras de gelo dos seus futuros uiscões.
Nascemos já ouvindo essa miserável e pobre sentença.
Meninos não.
Pense na responsa. Pense no erro como um monstro.
O choro contido, preso nas algemas arbitrárias do soluço –ou seria preso no maldito alçapão do superego de infalível atleta?
Pense na nuvem em tecla “rew” recolhendo a chuva que se anunciava um drama bíblico. A nuvem que se arrepende de molhar o mundo.
Agora repare comigo no choro sincero dos boleiros da Copa. Hoje vi até um uruguaio derramando lágrimas que fariam do rio da Prata um dilúvio dos Sem-Noé.
Só creio no homem que experimenta, nem que seja por 15 segundos, o desamparo. Aquele choro de morte.
O certo, amigo que chora com dificuldade, é que nunca vi tanto homem chorar junto como nesta Copa das Copas.
Que bonito é.
O hino a capela, o palo seco da canção patriota…
Até o mais burro dos mendigos de Viena, terra do Freud, sabe que o marmanjo não está chorando somente por causa do lábaro que ostentas estrelado. Ouviram do Ipiranga ou do Cais de Estelita que o choro, mesmo o choro do macho mais empedernido, é um Capibaribe que se junta ao Beberibe para formar um oceano Atlântico.
Os homens carecem apenas de uma desculpa cívica, de uma festa em família ou um porre maluco para liberar o choro preso por motivos bem mais nobres.
Quando Neymar desaba, quando Marcelo idem, quando até os nossos aparentemente viris zagueiros irrigam o gramado do Itaquerão e do Castelão com as suas lágrimas, algo mais forte terá rompido as paredes de todos açudes, todas as barragens apocaplíticas, todas as Tapacurás e seus boatos de inundação do Recife.
Como se rompesse um Orós em cada olho, como se aqueles meninos descobrissem o choro que vem do berço e irrompe neles de novo, aí incluindo o mal-estar da obrigação da vitória, os erros com mães/mulheres, as cobranças, a agonia de simplesmente existir e estar inteiro apesar de tudo.
Viver da forma mais besta e masculina é represar o choro.
Sábado eles irrigarão de novo, com lágrimas aparentemente patrióticas, o gramado do Mineirão. Por trás dos choros patrióticos ninguém jamais saberá os reais motivos, e isso é lindo, os homens choram pelas não-cachoeiras do passado.
Digo tudo isso e repito alguma coisa que disse em uma velha crônica:
Eis mais uma, entre as tantas, vantagens das fêmeas sobre os marmanjos: a coragem, o destemor, a arte de chorar em público.
Se o choro vem, as mulheres não congelam as lágrimas, como os moços, esses moços, pobres moços…
Não guardam as lágrimas para depois, como nós, que sempre adiamos as cachoeiras interiores, não levam as lágrimas para derramar escondidos na alcova.
Pior ainda é o homem que não chora nunca. Além de fazer mal ao coração, esse tipo não merece muita confiança.
As mulheres não, falo da maioria das fêmeas, desabam em qualquer canto e hora. Se estão mal de amor, choram na firma, no escritório mesmo, na fábrica, choram no trânsito, choram no metrô, simplesmente desabam.
Como invejo as lágrimas sinceras das moças.
Quantas vezes a gente não se preserva, por fraqueza, enquanto as lágrimas, em queda d´água, batem forte no peito machista e viram apenas pedras do gelo do uísque.
Como invejo as mulheres que misturam sim o trabalho com o drama furioso da existência.
Desconfio da frieza profissional, das icebergs de tailleur, que imitam os piores homens e guardam tudo para molhar o travesseiro solitário numa noite de inverno.
Ora, as mulheres podem ser infinitamente poderosas, administrarem plataformas de petróleo nos mares e chorarem um atlântico diante de uma indelicadeza da vida.
Lindas e comoventes as mulheres que choram em público, nas ruas, nos cafés, nos bares, nos restaurantes, no táxi. São antes de tudo umas fortes. Tristes dos que estranham ou ficam envergonhados com o mais verdadeiro dos choros.
Triste dos que acham que não levam a sério, que tratam como sintomas da TPM e chiliques do gênero, que fracasso. Ora, até mesmo os choros de varejo, não importam as causas, são comoventes. Chorar engrandece.
Fazer amor depois de lágrimas, então, é sentir o sal da existência, romanticamente, sem medo de ser ridículo ou cafona.
Acabei de testemunhar uma dessas lindas e corajosas moças, chorava no metrô da avenida Paulista.
Por que chorava aquela moça?
A moça não escondia os soluços do choro. Terá discutido a relação, a velha D.R., à boca da estação Paraíso? Veste roupa de trabalho sério, e chora.
Daqui a pouco estará sentada na sua cadeira de secretária, exímia, bilíngüe, a serviço da grana “que ergue e destrói coisas belas”.
Teria levado um pé-na-bunda, um fora? Teria visto o casamento pelo binóculo do titio Nelson Rodrigues? Perdoa-me por me traíres?
A moça que chorava sabia que o amor -repito o que já disse mil vezes no blog- é como o metrô na avenida Paulista: começa no Paraíso e termina na Consolação.
Pior sempre será o homem. De tanto esconder o jogo, jamais saberá o real motivo do choro. Nem Neymar nem ninguém chora apenas pelo hino.
Legal! Eu choro mesmo!!!!
As inúmeras e impiedosas críticas ao choro dos jogadores da seleção brasileira é a prova definitiva de que aquele choro cabia perfeitamente. Eles não têm ilusões, eles sabem que não serão poupados. Já pensou se tivessem saído tão cedo?! Enfim, é duro ver gente que tem medinho de injeção, e que paga sua prestação de lágrimas assistindo escondida a filminhos idiotas, criticar o choro exposto ao mundo dos jogadores do Brasil. Quem dentre esses juízes severos já teve suas incertezas expostas ao mundo, quem já teve sua fraqueza devassada pela tecnologia das câmeras indiscretas nos mínimos detalhes? Um idiota da objetividade falou que os atletas são muito bem pagos para suportar a pressão, como se o dinheiro pudesse lhes comprar a alma e nos permitisse o prazer de açoitá-los. A verdade é que foi muitíssimo comovente ver os jogadores chorarem de cair de joelhos ao solo, como quem foi aliviado de todo o peso do mundo. Ora, eles mostraram que estão equilibradíssimos, perfeitamente em sintonia, pois estão ali por inteiro. Os outros, os críticos, os bons burgueses, e toda essa casta de homens massa pacificados e desumanizados, ah, esses apenas vivem, nunca tomaram as porradas que aqueles meninos de vinte e poucos anos tomaram e tomam da vida. Se tomaram, não choram, não arrebentam o cadeado do baú que tem no peito. Como já disse Fernando Pessoa: Estou farto de semideuses.
BINGO!
Você expressou exatamente o que eu pensava!
Obrigada.
Sensacional!! Adoreii Xico. Nós choramos por tudo e é de verdade. rs. Bjs
Acho que a seleção devia ser blindada de visitas emocionais na reta final da copa. É apresentador de televisão levando criança deficiente para os jogadores,depois os sobreviventes dos deslizamentos de Petrópolis e por aí vai,Deixa isto pra depois do titulo e vamos colacar a cabeça no campo.De resto tá faltando um macho como Zito ou Carlos Alberto Torres para pagar esporro na moçada.
Xico,
Gosto muito de você. Admiro, sobretudo, a sua sensibilidade! Por isso, aqui no Rio, você já é um querido!
No entanto, preciso te falar: esses seus companheiros de ‘Extraordinários’ não estão à sua altura. Aliás, longe disso! Cassetas super sem graça, um músico que não diz a que veio, uma ‘musa’ (musa???) que só olha pro seu próprio umbigo e que se faz de intelectual (coitados dos verdadeiros intelectuais brasileiros) e um jornalista (que eu até cheguei a gostar) chamado Eduardo Bueno (vulgo Peninha) preconceituoso em todos os sentidos e de todas as formas! Uma merda esse programa!
Lamento por você!
beijos
Xico
Concordo inteiramente com o comentário de Mira, que não respondeste. Afinal, o que fazes no Extra Ordinários???????? Tu e o músico. Este, de tão constrangido – suponho – emudeceu. E tu, que quando resolves falar, te cortam pela metade. Que vergonha de programa! Não poderia ser mais medíocre, principalmente aquela senhora chamada Maitê, cada dia mais ridícula: sem conteúdo e sem noção.
o q faço? trabalho. so isso. um extra, para fazer um trocadilho. nao sou nem gosto d tv, ganho a minha vida aqui na escrita. ali é um bico,como outros q faço por temporada. faço, mas jamais veria um programa q participo. bjo
Xico Sá, sempre um deleite ler suas crônicas e textos… Obrigado em nome de todos os leitores por sempre nos presentear com os emocionantes textos!
Grande abraço.
Obs: O programa “Extraordinários” é sensacional!
Aí Xico, vai uma poesia minha sobre a falta de choro:
Chorar
Quando se é bem novo
e do tipo juvenil durão
Demonstrar raiva indomável
é sua admissível emoção
Suporta-se o que depois
se torna insuportável.
Com os pelos ficando alvos
nota-se uma outra pureza
A dos que tem o crânio calvo,
dos que sentem um incômodo
e choram pra dizer a todos:
Venham aqui me trazer calma.
Saber chorar, como faz bem!
É maturidade alcançada.
Evitar chorar a todo custo:
tolices de um Zé Ninguém.
muito bom,amigo.gracias
A questão não é o choro em si, muito menos o hino, a questão é o histerismo. O Brasil virou um país histérico, e que se fala de expressar emoções, é, aqui, uma idiossincrasia patológica recém adquirida de uma sociedade refém da pobreza, da ignorância e do misticismo sincrético alienante. É um povo bom, ingênuo e honesto, mas completamente aquém dos desafios para vencer essa alucinação que chamam de vida. Seu texto está lindo, mas vc está confundindo emoção com patologia. O Brasil está histérico. Pesquise sobre histeria e vc compreenderá o que estou falando. Abs. Sem choros. Mick.
sim, amigo, você toca no ponto certo. no caso mais restrito à seleção -e assuntos de copa no geral- é bem isso, histeria pura. abraço e gracias pela ótima colaboração
Xicosá, nada ver com o post mas muito se tem falado sobre o exagero ou injustiça na punição aplicada ao Luisito Suárez. Discordo. A punição foi justa. Se foi agravada, foi pela própria Federação Uruguaya de Futebol.
Acompanho muitos torneios de tênis, um esporte tido como “de elite”. Não vejo o tênis como um esporte de elite, simplesmente, mas de gente polida. Todo jogo termina com um aperto de mãos, independentemente do resultado. O jogador que não cumprimentar o outro ou o juiz perde dinheiro. É multado. Tem, portanto, a obrigação de ser educado.
Mas mesmo no tênis existem brucutus. O russo Mikhail Youzhny, por exemplo, quebra raquetes na cabeça (e a própria cabeça, às vezes). Quando ele faz isto, no outro dia vejo garotinhos no clube aqui em BH quebrando raquetes ao perderem um ponto qualquer. Ernests Gulbis, letão, discute com todos por qualquer motivo. No outro dia, esteja certo, vai haver garotinhos brigando durante o jogo. E o tênis, se comparado ao futebol, atrai uma quantidade ínfima de espectadores e praticantes.
O futebol é a maior paixão mundial. Nesse momento há 2 BILHÕES de pessoas ao redor do mundo vendo Brasil X Chile. Quantos milhões de garotos mundo afora não sonham em ser Luisito Suarés quando crescerem? Quantos milhões de garotos não usam a mesma camisa do Luisito, pedem à mãe para cortar o cabelo como o Luisito, querem jogar na mesma posição de Luisito? Dá pra perceber o tamanho da responsabilidade do cara?
O que a FIFA fez foi, nada mais, nada menos, que zelar pela imagem do futebol. Recado claro: “Você pode fazer isto na Champions League. Você pode fazer isto no seu time. Mas você não pode fazer isto num jogo da FIFA”.
Não podemos esquecer ainda que, além de agredir o adversário de forma bizarra, ainda tentou enganar o árbitro simulando ter sido agredido.
Outro aspecto que pesou: se, após o ocorrido, na entrevista, o Luisito houvesse se desculpado e se a Federação Uruguaya houvesse admitido o erro que todo mundo viu, se tentasse uma explicação psicológica do tipo “ele tem problema, precisa de tratamento mas o ocorrido não trouxe prejuízo para ninguém nem para o jogo” e pedisse um jogo de suspensão, provavelmente seria atendida mas, a contrário, tentou enganar a FIFA, mentindo sabendo que estava mentindo. Os 4 meses de suspensão eu credito a esse comportamento infantil e desleal.
É isso.
Agora é um pouco tarde demais…
http://globoesporte.globo.com/futebol/selecoes/uruguai/noticia/2014/06/luis-suarez-diz-minhas-desculpas-ao-chiellini.html
fantástico seu artigo pois sei que ainda há muita gente que acha que homem não chora. será que alguns homens não feitos da mesma matéria que o ser humano?
Chora, mas não deve, Xico. Segura até onde der, verás que um filho teu não foge a luta. Hoje o uiscão vai sem gelo, irmão, mas o scotch de outros sábados tava que era pura água gelada. Um abraço.
Xico voce estava ao lado do “jornalista” quando ele disse que o Nordeste é uma bosta. E voce sorriu. Creio que o teu sorriso foi de elegância e de ironia diante de tanta ignorância. Parece que no auge do desconhecimento esse cidadão nunca ouviu falar de Frei Caneca, Bernardo Vieira de Mello, Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Ariano Suassuna, Jose Lins do Rego, José Américo de Almeida, Bárbara de Alencar, Rachel de Queiroz, Jose de Alencar, Chico Science, Allemberg Quidins, Expedito Seleiro, Padre Cícero, Miguel Arraes, Dom Helder Camara, Catulo da Paixao Cearense, Olavo Bilac, Paulo Freire, José Ramalho, Elba Ramalho, Fagner, Dominguinhos, Humberto Teixeira, Guel Arraes, Adriana Falcão, João Falcão, Lenine, Belchior, Amelinha, ….. e a lista continua. Como você diria: esqueci muitos. Quem quer completar a lista? Ah.. o grande mestre – Luiz Lua Gonzaga.
Você se esqueceu de três gênios da raça: Jorge Amado, Dorival Caymmi e o inigualável, indiscutível, insubstituível e imbatível JOÃO UBALDO RIBEIRO.
inteiramente de acordo. três gênios, tres indispensáveis, jogam no time dos melhores.abs
Texto estonteante,me agrediu,morri um pouquinho com ele.Como toda arte.Também percebo isso,os homens se reprimem muito,por terem que passar uma suposta virilidade.Eu mesmo faço isso.Já ouvira falar de você,porém apenas hoje me deparei com alguma de suas crônicas.És grandioso tal qual como Fernando Sabino…que eu tanto amo…abraçoss sucesso
Hoje estou sensível… chorei na firma de manhã ao ler uma observação sublime de Sontag e chorei agora com a sua bela crônica, que, por coincidência, é sobre choro.
Como é gostoso ler os seus textos! O choro é o foco aqui, veio em mente uma situação pela qual passei. Tinha rompido um relacionamento (romperam comigo) e poucos dias depois vi o sujeito de mãos dadas com a outra! Sem nem pensar que estava no trabalho, chorei litros. Minha chefa, sábia como sempre, colocou a mão sobre a minha cabeça e disse: chore filha, chore! Hahaha! Mas isso foi há muito, muito tempo atrás!
esse tipo de cena é cruel. choro mais que justo. beijo
Xico, vai ver a hora do hino é um desses dias, como dizia Drummond, “Um dia desses, eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo de chorar.”
Ana, que maravilha, epígrafe perfeita para o assunto. ta em q poema? ou é crônica? beijo
Caraca! Meu comentário foi censurado ou algo pior..rs..Vou virar a folha e cancelar minha assinatura, coisa feia, hein!
tem censura aqui no blog não. é q to trabalhando muito agora na copa e tenho aprovado com atraso. so deixo de fora spams, toda opinião, principalmente a q discorda, será muito bem-recebida. beijo
Me senti elogiada pelo
…”Ora, as mulheres podem ser infinitamente poderosas, administrarem plataformas de petróleo nos mares e chorarem um atlântico diante de uma indelicadeza da vida.
Lindas e comoventes as mulheres que choram em público, nas ruas, nos cafés, nos bares, nos restaurantes, no táxi. São antes de tudo umas fortes. Tristes dos que estranham ou ficam envergonhados com o mais verdadeiro dos choros.”…