Quando a dor de amor vai embora
21/05/14 22:31Místico que sou, parece coisa de lua minguante. Na caixa postal desta quarta-feira, mil pedidos por uma crônica sobre fim do luto, fim da dor amorosa -tem algo mais difícil de vencer na vida?
No que pego, só para variar, a tal experiência própria, e reedito:
Para você, minha pequena, que acaba de se livrar de uma dor amorosa que a acompanhava pelas ruas como um vira-lata sadomasoquista.
Para você que acabou de deixar essa dor no cemitério dos amores esquecidos ou no crematório dos encostos e homens-roubada.
Para você, neste exato momento em que se livra da praga, o cirúrgico instante em que você diz “baby você já era”, como na versão da Clarah Averbuck para “Out of Time”, dos Rolling Stones, clássico dos concertos de Wander Wildner.
Está ai um momento lindamente difícil, primeiro plano, fechado, só você e a câmera do homem que filma tudo lá de cima, agora em 3D, para que todos acreditem e não vejam como truque ou chantagem…
Está ai o justo instante em que diz, aqui, câmera 1, a grua de Deus: acabou chorare, tá tudo lindo, chega de palhaçada!
O momento da iluminação, meu santo Jack Kerouac, o beijo no vento, o sorriso, o fim da maldição de todas as músicas tristes que pareciam sempre biográficas, como as de Leonard Cohen, do Chico ou do Waldick.
Já reparou, amigo(a) que, quando doentes de amor, toda e qualquer canção é a história cagada e cuspida das nossas vidas?!
Maldita FM da madruga. No Hellcife, a rádio Caetés dá o bis! Lascou duplamente e de vez.
Entramos no carro ou em um táxi de madrugada, velho e bom amigo Serginho Barbosa, e lá está a trilha sonora da existência.
Agora você simplesmente ergue as mãos para os céus e diz: estou livre, carajo!
Penei, sofri, vivi o luto amoroso, mas essa(e) peste não me merece. Você ergue as mãos para os céus e agradece.
Você foi grande, não esnobou com o(a) primeiro(a) que apareceu pela frente, respeitou o luto sob trilha de Morrissey, viveu noites de insônia e solenes estiagens no reino da Carençolândia.
Você quase toma barbitúricos, você quase toma racumin como os suicidas antigos, mas você foi forte, enfim, você foi intenso(a) e segurou a onda em todas as medidas e trenas do possível.
Óbvio que às vezes você se enganou, achava que estava livre e teve ruidosas recaídas, todos nós dançamos esse tango sem manteiga, achamos que estamos libertos e lambemos, de novo, os pés de novo da mulher-abismo ou do homem-roubada, afinal de contas o amor é mesmo uma pedra de crack rumo à estação da Luz.
Amor é eclipse.
Agora não, você se sente livre mesmo, até recita um verso de Walt Whitman: “De hoje em diante não digo mais boa sorte, boa sorte sou eu!” E segue. Lindeza.
Pronto. Você se sente livre mesmo(a), se arruma bem linda, bota flor no cabelo, você, homem velho, luta boxe sozinho no banheiro, yeah!, você pede um uísque duplo, bota um Rolling Stones na radiola de ficha, sai bonito da sinuca, mata a bola preta de tabela, você está preparado(a) para uma nova vida, caiu a pena como um passarinho, caiu o pelo como um(a) gato(a), mudou de sina e com todo respeito ao clichê mais vagabundo, a fila anda.
Você fez todas as rezas, orou para Jesus, foi no terreiro e no centro espírita, baixou os tarôs e tomou carma-cola, pediu para a menina anônima que viu a virgem na mata e rendeu-se ao neo-orientalismo, você fez de tudo um pouco, santa.
É, amigo(a), se o pé-na-bunda é em preto e branco como naqueles bons, mudos e tristes filmes do expressionismo alemão, a salvação é em 3D, mais que léguas submarinas, é uma montanha russa, um carrossel de parque de diversão, um homem-aranha II, a roda gigante ou uma simples caminhada pelas ruas com um sorriso enigmático e um bom ventinho na cara.
Adeus, roubada!
Um texto encantador…
ainda não…
Sabe Xico, realmente estou encerrando meu luto. Meu o ex faleceu em dezembro. Você e as meninas do X de Sexo, foram meus faixa preta, meus diazepans, ajudando-me nesta fase, tirando sorrisos onde so existia dor. Esta semana, abri as portas do coração para um novo amor (as outras depois, tudo a seu tempo), e você postou este texto. Não podia deixar de agradecer….
Ótimo quando isso acontece, mas de tão carente que somos, buscamos outro pra nos apaixonarmos novamente e viver toda aquela ansiedade, aquela fossa… Fazer o que…
Saudações de BH!!
É pecado escrever tão bem. Pecado nos fisgar com palavras tão certas. Pecado falar de amor com singeleza e propriedade. Você é pecador, Xico.
E eu o declaro culpado de fazer brotar algumas lágrimas quando me deparo com crônicas como essa sua.
O ventinho na cara foi magistral. Cura. Sou a rainha das lufadas restauradoras.
Um beijo.
Fique com Deus.
~~~
Xico, seu lindo, bem pertinente seu texto!
Mas, essa “droga é das boas…rsrs”. Cabe aprendermos com as experiências fracassadas e esperançar por dias melhores. Além do ventinho no rosto, há outros “friozinhos na barriga” nos esperando.
Como já disseram, vivemos em tempos líquidos, e acredito que tais experiências não foram em vão. São lições de vida!
É preciso renascer com as manhãs! Quem se foi, é quem perdeu toda delícia de sermos um, de sermos nós!
Oh, L’amour, outros desencontros, delícias e aventuras nos esperam…rs’ ^^
Afinal, o que seria a vida sem utopia? rs’
Abraço! 😉
TT
Santo Xico Sá, dai me forças pra chegar lá.
Aleluia, irmão!
não era amor, era cilada!
meu novo seu texto favorito 🙂
Gabo eterno:
Meses depois, ao saltar do bonde de burro, uma meninazinha que estava com o pai lhe pediu um dos chocolates da caixa que carregava na mão. O pai ralhou com ela e pediu desculpas a Florentino Ariza. Mas ele deu a caixa completa à menina achando que aquele gesto o redimia de todo amargor, e acalmou o papai com um tapinha no ombro.
— Eram para um amor que foi para o caralho — segredou-lhe.
(Gabriel Garcia Márquez – O Amor Nos Tempos Do Cólera)
Quando botar os Stones na vitrola manda um Let´s spend the night togheter(Vamos passar a noite juntos) pra maluca ao lado,com um Jack Daniels de cortesia, é claro.
Estou a espera de sentir esse vento libertador e poder cantar que acabou chorare :’)
Xico Sá meu amigo tão ausente, tenho cá para mim que o amor quando é amor ele nunca vai embora… ele fica, permanece, transmuta.O amor é algo que simplesmente pertence a quem sente e muitas vezes criamos pessoas melhores do que elas são…raras as vezes é amor de fato. Raras as vezes sente-se amor na vida… amor por pais ou filhos sim, mas amor por outro qualquer? Não… toma uma vodka porque o amor é inexistente e parodiando você que sempre cita o Zygmunt Bauman, é líquido. Nesses tempos líquidos não há amor de fato. Todo mundo quer ter um parceiro para dividir o aluguel mas amor mesmo será?
minha amiga sábia.gracias pela bela colaboração aqui e pela leitura.beijosss
No caminho de Swann. Velho Proust.
haha. total em busca do tempo perdido.beijo
hahahaha
vem perder seu tempo comigo, Xico!
Outrora, tendo muitas vezes pensado com terror, que um dia deixaria de estar enamorado de Odette, prometera a si mesmo ser vigilante e, ao sentir que seu amor começasse a abandoná-
lo, agarrar-se a ele, retê-lo. Porém, eis que ao enfraquecimento do seu amor correspondia simultaneamente um enfraquecimento do desejo de permanecer apaixonado. Pois não é possível mudar, isto é, tornar-se uma outra pessoa, e continuar a obedecer aos sentimentos da pessoa que
se deixou de ser. Por vezes, vendo no jornal o nome de um dos homens que supunha ter sido um dos amantes de Odette, voltava a sentir ciúmes. Mas, eram ciúmes bem ligeiros, e como provavam que Swann ainda não deixara de todo aquele tempo em que tanto sofrera, mas,
também quando conhecera uma forma de sentir tão voluptuosa-e cujas belezas os acasos do caminho talvez lhe permitissem percebê-las ainda furtivamente e de longe, tais ciúmes lhe causavam antes uma excitação agradável, como ao parisiense melancólico que deixa Veneza
para redescobrir a França, um último mosquito prova que a Itália e o verão ainda não se distanciaram muito. Porém no mais das vezes, o tempo tão especial de sua vida, de onde estava saindo, percebia Swann que já não o agüentava quando fazia esforços, senão para ali
permanecer, ao menos para dele ter uma imagem clara enquanto ainda fosse possível; gostaria de ver como uma paisagem que ia desaparecer, aquele amor que acabava de deixá-lo; mas é tão
difícil ser duplo e dar-se o espetáculo verídico de um sentimento que se deixou de ter, que em breve, obscurecendo-se o seu cérebro, ele não mais nada, renunciava à contemplação, retirava
seu pincenêz e enxugava as lentes; dizia consigo que era melhor descansar um pouco, que dali a pouco ainda estampado, e punha-se a um canto, curioso, no entorpecimento do viajante cheio de
sono que abaixa o chapéu sobre os olhos para dormir no vagão que sente o está chegando, cada vez mais depressa, para longe da terra onde viveu tanto tempo e que metera a si mesmo não
deixar desaparecer sem lhe dar um último adeus. Mesmo como esse viajante, se vai despertar
somente na França; quando Swann por acaso as provas de que Forcheville tinha sido amante de
Odette, percebeu que não sentia dor alguma, que o amor agora estava longe, e lamentava ter
dado conta do momento em que o amor o deixava para sempre. Da forma como, antes de beijar
Odette pela primeira vez, procurara imprimir o rosto que ela tivera durante tanto tempo para ele, e
que a recordação do beijo ia transformar, assim teria gostado, ao menos em pensamento, de fazer
despedidas, enquanto ela ainda existia; àquela Odette que lhe inspirara ciúme; àquela Odette que
o fizera sofrer, e que agora não veria nunca mais; vai-se.
texto lindo. gracias. beijo
Xico, essa foi sensacional! Tu escreveu essa pra mim, vai? Agora so falta esperar a redencao em 3D…:)
Amei! Você é lindo!
Tenho uma prima que encontrou uma forma peculiar de encerrar esse período de luto “quebrar o nariz da assombração” Ela pratica todos os dias no Tatame das aulas de Karatê. Espero que funcione e que o resultado seja semelhante a uma rinoplastia rústica 🙂
delicia!!!acabou chorare!!! que venha a roda gigante!!!