Morre o maior sacanólogo do Brasil
14/05/14 13:28E lá se foi o escritor e, de longe, o maior pesquisador da sacanagem popular brasileira, o velho safado Liêdo Maranhão, 88, que morreu nesta manhã no Recife, vítima de parada cardíaca -hospitalizado havia três meses, resistira a um AVC e a uma queda que lascou seu fêmur.
Quando soube da notícia, a primeira imagem que me veio foi a de Liêdo recitando Baudelaire, em francês, para a rafameia do Recife. Dizia na língua do poeta e traduzia na sequência, verso a verso, para os feios, sujos e malvados.
Dentista sem dente, como tratava da sua formação profissional, Liêdo, nosso guru da Praça do Sebo e da cachaça nos derredores do Mercado de São José, deixou livros, diários, pesquisas e um grande museu de objetos e folhetos sobre tudo que é safadeza e fuleragem do Brasil.
De comida de pobre, receitas para tempos de guerra -vide o mingau de cachorro- às aventuras na zona portuária do Recife, a opening city dos mariners, como era chamada pelos gringos.
Folclorista, antropólogo autodidata da poeira (povão no Recife), apanhador de costumes… De um tudo Liêdo era chamado nas ruas e na imprensa. Talvez o que mais gostasse, porém, fosse o tratamento recebido nos bares do Mercado de São José: bucetólogo. De tanto estudar os órgãos sexuais na visão da massa, mereceu a galhardia.
Futebol, sexo e religião -com mais sexo que os outros dois itens- formavam a santíssima trindade das investigações nada teóricas do mestre.
Liêdo estava para o Recife/Olinda como Joe Gould para Nova York. Lembro dessa comparação da jornalista Silvia Bessa em texto exemplar na revista Continuum (Itaú Cultural).
A diferença é que, com sua coleção de pesquisas e diários, Liêdo concretizou o sonho que o americano não conseguiu realizar, lembrou Silvia.
Conhecido boêmio da NY dos anos 1930 e 1940, Joe foi personagem do livro “O Segredo de Joe Gould”, de Joseph Mitchell (Companhia das Letras).
A utopia do boêmio e sem-teto Joe, no seu mergulho no submundo das ruas, era chegar ao que chamava de “a maior e mais importante história oral da humanidade”.
Liêdo deixa essa saga que o velho Joe tentou lindamente construir.
Para findar a louvação, um caso real de Liêdo Maranhão narrado a este cronista por Moema Cavalcanti -sim, a autora das capas de livros mais bonitas do país.
Liêdo, tarado por carnaval, aceitou um trato com a mulher, uma valente espanhola: não iria, pela primeira vez na vida, se esbaldar na sacanagem momesca. Tudo certo. Por um milagre, ele conseguiu cumprir a promessa.
Na Quarta de Cinzas, foi cobrar a recompensa. No que a mulher, braba que nem siri na lata, se esquivara. Revoltado, Liêdo bradou:
“Olhe, só existem duas coisas na vida com as quais não se brinca de jeito nenhum: cu e arma de fogo!”
A esposa havia prometido, obviamente, um prêmio em sexo anal pelo bom comportamento do marido no período carnavalesco. Desde então a frase “com cu e arma de fogo não se brinca” é um clássico popular no Nordeste.
Que a terra lhe seja leve, meu queridíssimo Liêdo.
E com você, discípulo dele, acabo de aprender a deliciosa palavra “rafameia”. Valeu!
Bom e ai…
A pergunta que não quer calar: “Comeu?”
kkk
Mais um grande pernambucano que se vai, a cultura do nordeste, agradece o seu legado. Excelente texto, mais uma vez.
O Brasil ,ultimamente, esta repleto de canalhas e chatos de galocha e por isso quando morre um descarado no bom sentido é claro ,vira um desfalque enorme pro time da alegre putaria.
Ícone Putanista!!
bela definição,meu caro