O dia em que Maria fez Lampião tremer de amor
08/03/14 15:23
Dia Internacional da Mulher, dia de aniversário de Maria Bonita.
Essa menina que enjoou da boneca mais cedo do que as outras.
Essa baixinha invocada. Tipo que a gente gama pela brabeza e pelo destemor de se jogar lindamente sob o solzão estralado da existência.
Pense em uma mulher bem-resolvida, meu caro Sigmund. Melhor: uma mulher que sabia o que queria no calor da hora. Repare a enquadrada que ela dá em Virgulino:
– Como é, quer me levar ou quer que eu lhe acompanhe? –sapecou a baiana, idos de 1929, dos 18 para 19 anos, deixando Lampião, acossado, risinho amarelo fora dos beiços.
Foi a primeira cantada de uma mulher em um homem no Nordeste brasileiro. Reza a lenda e quem tiver sua realidade que não me venha botar gosto ruim na história.
O temido bandoleiro, que já havia deixado um rastro de sangue pelos sertões, estava diante de uma mulher que o fazia tremer como vara verde de canafístola:
– Como você quiser, Maria; eu também quero. Se estiver disposta a me acompanhar, vambora” –respondeu, assombrado com a danação da pequena.
E lá estava formado, com esse diálogo fumegante, o casal mais lendário do Nordwestern -Bonnie & Clyde é muito pouco quase nada diante das aventuras desta parelha.
A moreninha mignon, olhos enfeitiçadores –charmosamente estrábicos, como amo isso!–, era a primeira fêmea a participar de um bando de cangaceiros, uma história dominada pelos homens desde que o século 18, quando o pernambucano José Gomes (1751-1776), o Cabeleira, deu início a este ramo.
O pioneirismo de Maria Gomes de Oliveira enfrentou resistência. A suspeita dos cabras de Lampião era que a presença feminina enfraqueceria o cangaço, facilitando a captura dos fora-da-lei por parte das forças policiais ou “volantes”, como eram conhecidas.
“Homem de batalha não pode andar com mulher. Se ele tem uma relação, perde a oração, e seu corpo fica como uma melancia: qualquer bala atravessa”, declarou o cangaceiro Balão.
O sociólogo e psicanalista cearense Daniel Lins, no seu livro “Lampião, o Homem que Amava as Mulheres” (ed. Annablume) mostra o contrário. A tropa ganhou mais força com a presença delas.
Um depoimento do bandoleiro Volta Seca -um excelente compositor, aliás -sustenta o argumento: “Elas se mostravam sempre corajosas, era raro que criassem problemas”.
Há quem entenda a participação de Maria Bonita e suas amigas, companheiras de outros integrantes do bando, como um marco precursor do feminismo no Brasil. Faz todo sentido.
“Pela primeira vez na história, as mulheres dividiam as tarefas com os homens igualitariamente. E o comprimento da saia subiu para acima do joelho”, diz um dos principais especialista do ciclo do cangaço, o historiador Frederico Pernambucano de Melo, autor do clássico e imperdível (mesmo!) “Guerreiros do Sol” (ed. Girafa). Leia, Lola, leia.
Quando conheceu Virgulino Ferreira, na fazenda Malhada do Caiçara, hoje município de Paulo Afonso (BA), onde Lampião se refugiava, Maria era casada, desde os 15, com o sapateiro José Miguel da Silva, o Zé de Neném, contra quem pesava, coitado, naquele cenário machista, a suspeita de ser estéril.
A convicção que estava diante do amor da sua vida foi fatal para o fim do primeiro relacionamento de Maria Bonita.
Dai por diante o rei e a rainha do cangaço se grudaram, entre batalhas, dengos e cafunés –um capricho de Virgulino–, durante nove anos, até que a morte os separou, em 28 de julho de 1938, quando Lampião foi assassinado pela PM e Maria, degolada, na mesma ocasião, na gruta de Angicos, em Poço Redondo, Sergipe. Fim do romance, jamais do amor e da lenda.
§§§
De profundis: Se você quer saber mais sobre todas estas danações, leia, além de Frederico e de Daniel, acima citados, “A dona de Lampião”, livraço, narrativa com boniteza e arrojo, da escritora Wanessa Campos, de Triunfo (PE) para o mundo.
Querem mais dois bons, para instigar o juízo e o conhecimento sobre esse tema mais do que fascinante? Lá vai: “Lampião –as mulheres e o cangaço” (ed. Traço), de Antonio Amaury; “Os Homens que Mataram o Facínora – A História dos Grandes Inimigos de Lampião” (Record), de Moacir Assunção.
Chico, meu bichinho, adoro tudo que você escreve. O prazer de ler você equivale ao mesmo de uma fatia de bolo de rolo – o legítimo do Recife – com sorvete de creme. Armaria, menino, que coisa boa da moléstia!!!
Linda história p/ comemorar o Dia da Mulher. Nada melhor para comemorar a parte como lembrar do todo. Esta comunhão destes fortes homens e mulheres desta história é apaixonante. Acho que não sou uma Lola, mas vou tentar ler tudo que você citou. Abraços.
Até quando teremos que aguentar sua criatividade perversa e mórbida? Está caçando quem, um desafeto ou um inimigo espiritual? Deve ser…
não, moça, caçando nada não. talvez tubarões voadores. beijos
Boa noite Xico
É muito bom ler relatos da vida de pessoas como: Maria Bonita e Lampião, que há tanto tempo engrandecia e apresentava o nordeste e o sertão para todo o Brasil.
Parabéns!
Que belo texto, pura poesia no melhor estilo José de Alencar, meu preferido! Mais um cearense dos bons…
Cresci em Juazeiro do Norte. Cresci alimentado pela “ira” contra os “pequizeiros”. Brincadeira! Que bom acompanhar o teu trabalho na Folha, via UOL, e no Saia Justa do GNT. Que bom ouvir e lê coisas de quem não se envergonha das raízes nordestinas, do sotaque “carregado” e vigoroso! Tá valendo! Abraços.
Rapaz, vivi essa realidade da forma mais maluca: só nasci no Crato,nunca morei lá; minha família é de Santana do Cariri e do sertão pernambucano. Ai morei anos e toda a formação adolescente em Juazeiro. so me resta dizer Viva o Cariri. abraço
Boa noite caro Xico, como vai? Espero que bem.
Só passando para agradecer e dizer que se os homens tivessem 20% de sua sabedoria em relação à vida e com as mulheres o mundo seria um lugar melhor.
Lendo os seus textos , certamente eu me identifico com alguns …. vejo também que a sociedade não valoriza mais nada, tudo é descartavel e ninguém busca um significado no que se vive ou que se realiza….isso é triste.
Abraços de um grande fã;
gracias, Charlie.abração
Belíssimo texto. Mas devo discordar de Maria Bonita como símbolo do pioneirismo feminino no cangaço. O bando de Lampião foi o primeiro e último, talvez único exemplo, de amor no banditismo cangaceiro e Maria Bonita, muito pela projeção de seu consorte, sua figura feminina maior. Mas a pioneira do cangaço foi baiana Anésia Cauaçu que, deixando a casa onde era mãe e esposa, liderou o bando de sua família no sertão de Jequié, década e meia antes de Maria Bonita. Atiradora, amazona, capoeirista, descendente índia, apesar dos olhos azuis e da alta estatura, foi uma personagem única, exemplo de mulher que não age à sombra dos homens, e de como o Brasil documenta mal o que não serve ao poder.
Don, nao conhecia essa historia. vou procurar ler sobre essa outra danada. Admiro tb Dadá, mulher de Corisco, a unica q atirava bem e pra arrombar. Tem algum livro q conte sobre Anésia? muito grato pela dica, abs
Há dois bons livros (“Anésia Cauaçu”, de Domingos Ailton, editora Via Litterarum, e “Anésia Cauaçu: Mulher, Mãe, Guerreira”, de Marcia do Couto Auad, edições UESB) e um roteiro de filme do cineasta Lula Martins, infelizmente não rodado, mas transformado em livro em 2011. Parabéns por seu trabalho e saudações do Tocantins.
Obrigado, meu caro Don. e viva Tocantins. abraço
Muito bom, Vasco! Não pelo “feminismo” pra lá de antecipado, mas pela “menas sombra”.
Não é de hoje que vocês nos dão trabalho, na verdade vem de muito antes da sua xará Quitéria haha… Abraços!
Xico creio que nasci em lugar errado,adoro tudo relacionado ao sertão e sinto um certo saudosismo ao ler esse texto.parabéns…
é só se mudar pra lá.
que herói é esse que saqueava , matava , roubava. esse é o herói que o país merece.
opa, nao tem sequer a palavra heroi no meu texto. sei do q vc ta falando.minha crônica é sobre mitologias.abs
Grande Chico,
Agradeço pelas belíssimas crônicas e tanto talento, principalmente pela dedicação à alma feminina e masculina. Quando compartilho vc no fb, sei que ofereço aos amigos uma ótima história !
Abs,
Roberto
O Brasil precisa de justiceiro como estes novamente para acabar com esta mafia de governantes no poder
O PT se dizia justiceiro, lembra?
É a historia do livro de George Orwell :A revolução dos bichos” pra mim o que define melhor o que é politica. Quem não leu .deveria ler.
Xico Sá,parabéns pela leveza de tuas palavras, as quais focam na nossa mente o desenrolar dessa magnifica história… Dizem que Lampião não morreu em Angicos… inclusive há livros com fotos e relatos impressionantes… Na realidade, Maria Bonita, como toda mulhere,soube jogar o seu charme sobre o valente Lampião…
sim, ha quem afirme q a desgraça final nao foi em angicos. e haja controversias.abs
é amigo Xico vc sempre se superando com coisas interessantíssimas de ler,um deleite para os olhos,valeu também mano pela dica dos livros,vou ir atrás; pois como vc bem disse este tema é muito fascinante e eu sou um desses apaixonados,abç e vai Corinthians…
Cabra, Xico Sá, sabia que os cachorros que estão na foto são o Gurani e o Ligeiro. Bela matéria valeu, curti e compartilhei no Face. Abração meu irmão.
sim, amigo, o Ligeiro ta numa letra de Belchior: “…melhor cachorro Ligeiro/sertão, olhe o concorde, /q vem vindo do estrangeiro/o fim do termo saudade/de alguém sozinho a cismar…” abração
corrigindo: meu cachorro Ligeiro/sertão olha o concorde… que vem vindo do estrangeiro..
Só quem realmente conheceu ou teve contato com Maria bonita e Lampião pode realmente dizer algo sobre ambos e das barbaries que aprontaram em nome de que ? só quem os perseguiu que podem confirmar os crimes barbaros que eles dois cometeram.
Excelente texto, obrigado pelas dicas de livros. O que é um chabadabadás ???
Um abraço.
Arnaldo, chabadabadá , q uso em um dos meus livros de crônicas, é uma especie de chamego, chumbrego, sarro, algo assim. abs
Grande Chico Sá, entendedor da alma feminina. Só acho que se enganou em uma coisa: a maioria dos homens não gama numa mulher poderosa e corajosa como Maria Bonita. É preciso ser muito Lampião.
falei por mim,amor, e por muitos resistentes q conheço.bjo
Maria Bonita uma mulher a frente de seu tempo….Linda demais essa coragem, com certeza valeu a pena tudo que ela viveu……..
” É preciso ser muito Lampião.” Gostei demais disso, Gleice!
Olá Xico, parabéns pelo texto! Recomendo também os vários livros do escritor Paulo Medeiros Gastão, um dos maiores experts do Brasil quando o assunto é Lampião e o Cangaço.
Obrigado, professor, pela dica. abs
Paulo Gastão é de Triunfo -PE, terra de Wanessa, filha de Sigismundo Pinto, do do grande Jornal a Voz do Sertão. Hoje, o Paulo Gastão reside em Mossoró-RN.
q batismo bonito pra jornal,ne? A voz do Sertão! viva
maria bonita casada desde os 15 anos é que
nem eu de pensar q sou filha de pais baianos familia inteira de baianos se pensa-se na epoca de me separar aff a bahia tda iria atras de mim casamento na minha familia é ate que a morte os separe …………. e lampiao com esse jeito machoo de ser nao cabia em seus pensamentos pegar uma mullher virgem ? por q virgindade era honra um troféu…… sei la acho é doideira minha kkkkkkkkkkkkkkk.
Tristeza isto, não é? A mortandade e pancadaria sobre as mulheres do Brasil talvez se explique assim mesmo: até que a morte os separe. Mas, não por amor. Por orgulho ferido, meeeeeeesmo.
Ameiiii! Grande coisa, né, Xico? Amo tudo o que você escreve rss Mas é que às vezes vc se supera. Hoje foi uma delas! 😉
gracias, Marie, fico feliz. isso q me dá o gás e a gasolina pra sentar o dedo aqui com gosto e escrever mais e mais.beijo
Adoro seus textos Xico..!!!
Que lindo escrito! Espetacular! Fiquei babando, lendo e acompanhando tudo… Essa de mulher com um ligeiro estrabismo, hummmmmm! A foto, que linda! Fiquei lendo e voltando à foto, para imaginar de forma real – como se eu estivesse lá… – essa enquadrada no cabra. Valeu demais da conta!
Boa noite Xico,
Talvez estejamos carentes de Guerreiros como Virgulino e sua Maria, que além de bonita (com todo respeito) era Santa no Nome.
Ótimo tema para o Dia das Mulheres, sua crônica é impar, parabéns.
Viva a Saga Nordestina, cantada por Luiz Gonzaga.
Abs e fique com Deus!!
Em tempo:
Sou seu fã, não me canso se assistir aquele clip que participas com o Galego Otto, na Rua Augusta.
Gracias, grande Edinaldo. esses comentários me emocionam e me botam um fogo do cão pra escrever cada vez mais -tomara q um dia melhor. abs
tu é foda !!!!
tu é foda em tudo!
Tá viajando chico sá. viaja, viaja.
so vale a viagem. de ida,ne mon amour? beijos
Eita, essa é a Jones?
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Xico, aproveito a deixa para indicar outro livro do Mestre Antonio Amaury, “Assim Morreu Lampião” (editora Traço), o mais pormenorizado relato da chacina de Angicos e — em minha modesta opinião — o mais completo retrato do drama do cangaço.
sim, valeu, conheço todos dele. abrazo
Xico, a mais de 25 anos atrás, numa Cidadezinha do Sertão Pernambucano chamada Custódia, no dia da Feira, ouvi de um contador de histórias, um ancião sertanejo, que dizia ser contempôraneo de Lampião, me contou histórias sensacionais sobre o mesmo.
Como Caixeiro Viajante que fui, conheci muito o Sertão da Paraiba, de Pernambuco, Vilas, lugarejos, pequenas Cidades com um povo maravilhoso.
agora me transportei pros finais de tarde impagáveis do sertão. abraço
Olá, Xico!!!
História bem interessante e com uma relevância inigualável, gostei bastante!
Beijos,lhe admiro bastante!
Graciene
Sou apaixonada pelo cangaço ! Anotei suas dicas de livros aqui ! E to levando seu texto para o maior e melhor grupo de cangaço q temos no facebook !
Beijos, Xico !
me diz a página, Maluy. beijo
Xico, meu rei, tem coisas lindas lá sobre o cangaço. Aqui o link: https://www.facebook.com/groups/ocangaco/
e mais um beijo