O inadiável choro público das mulheres
03/09/13 12:43Ou a inconsolável criatura de Confins. Aeroporto, Belo Horizonte.
A moça, elegante no seu vestido que lembra um grafismo à Valentino, larga o celular e chora. Não chora, digo, desaba, é mais que um choro.
Não parece um choro normal de saudade, lágrimas aeroportuárias, lágrimas para viagem.
Tampouco lembram as fáceis e dramáticas lágrimas de gares que testemunhei em Lisboa e arredores. Não são lágrimas de “adeusinho” diante dos comboios que chegam ou que partem.
São lágrimas com o irrefreável e irreprimível soluço do fim dos amores.
A esteira, à espera da mala, gira como um vinil de bolero.
As rodas do carrinho da bagagem rangem as dores do mundo todo. Não há lubrificante para as dores daquela chegada.
O britadeira da obra amplifica a agonia da moça.
O operário, com camisa número 9 do Galo, desliga a máquina.
O soluço da moça constrange o homem de terno.
Os desiludidos do amor fogem, apressados no congestionamento de carrinhos, com medo de rebobinar antigas dores no juízo -aquelas lágrimas são danações que precisam ser evitadas a todo custo.
O ceuzão que nos protege em Belo Horizonte parece nos dizer um “bom dia, tristeza”, como no cartaz do belíssimo filme que ilustra este post.
A inconsolável criatura de Confins não consegue esconder suas lágrimas por detrás da elegância e dos gigantes óculos escuros da viuvez amorosa.
Refaço a frase e o fluxo: a inconsolável criatura de Confins, em nenhum momento, pensa em suas lágrimas esconder. Pronto.
O choro público das mulheres é um atestado da mais absoluta decência de suportar as dores e as agonias do estar vivo.
Repito o que havia alinhavado em crônicas antigas deste blog. Uma das grandes vantagens das mulheres sobre nós é a coragem, o destemor, de chorar em público. Se o choro vem, as mulheres não congelam as lágrimas, como os moços,pobres moços…
Elas não guardam as lágrimas para depois, como sempre adiamos, não levam as lágrimas para chorar escondidos em casa.
Pior ainda é o homem que não adia. Simplesmente não chora nunca. Além de fazer mal ao coração, esse tipo não merece muita confiança. As mulheres não, falo da maioria das moças, desabam em qualquer canto e hora. Se estão mal deveras, choram na firma, no escritório mesmo, na fábrica, choram no trânsito, choram no metrô, no aeroporto, na rodoviária.
Como invejo as lágrimas sinceras das fêmeas.
Quantas vezes a gente não se preserva, por fraqueza, enquanto as lágrimas, em cachoeira, batem forte no peito machista e viram apenas pedras do gelo do uísque.
Como invejo as mulheres que misturam sim o trabalho com o drama heavy metal da existência. Desconfio da frieza profissional, das icebergs de tailleur, que imitam os piores homens e guardam tudo para molhar o travesseiro solitário numa noite de inverno.
Ora, as mulheres podem ser infinitamente poderosas, administrarem plataformas de petróleo nos mares… e chorarem um atlântico diante de uma alma vagabunda e sem cuidados.
Lindas e comoventes as mulheres que choram em público, nas ruas, nos bares, nos restaurantes, nas malocas, em Confins, como a criatura inconsolável que agora some da vista em um táxi rumo à cidade de Belo Horizonte.
Ainda vou crescer e escrever como você!
Há muito tempo escrevi uma crônica sobre uma mulher que chorava num ônibus (http://vidasetechaves.wordpress.com/2011/11/01/a-long-way-home/) e por isso fiquei curiosa em ler o seu texto. Gostei bastante mesmo!
gostei muito da sua crônica. a ideia de comprar o choro é linda. beijo
Chorei, chorei… até ficar com dó de mim.
O choro público humaniza e alivia. O próprio constrangimento de quem está do lado humaniza, expondo a inabilidade humana de lidar, de veras, com suas emoções.
Chorar na chuva ,também lembra a canção de Demis Roussos,’Rain and Tears’.
Só vc pra lembrar o viejo Demis Roussos. sensacional
Ele começou na banda Aphrodite´s child ,lembra?
Tem uma cena no filme Garota de Ipanema.que a Claudia Rodrigues depois de abandonada por um homem casado,corre na chuva chorando.Na sequencia ,se senta ao lado da vitrola e fica escutando João Gilberto cantando ‘Insensatez’ de Tom..Muito lindas ,a música ,a garota ,a cena……
A atriz do filme chamava-se Marcia Rodrigues,irmã da Claudia ,que morreria de over dose ,numa festinha de embalo no Rio.
Eu desabo mesmo…
Ja chorei em público por tantos motivos, geralmente por ser magoada (menos por homens e mais por situações do dia-a-dia) que por onde passo acabo ganhando a pecha de dengosa, manhosa… Isso acaba fazendo as pessoas cederem aos meus pedidos e tal. Que posso fazer se sou uma sensível caro Xico? Rsrsrsrs. Bjo
muito bom, encanta, nos faz enxergar todo a cena como se estivéssemos lá e ainda por cima desfrutar de uma rica e criativa narrativa das emoções que o choro muitas vezes carrega!
Sensacional.
Concordo totalmente com a Táia! Eu não poderia dizer melhor como me sinto em relação a isso.
Concordo totalmente com a Táia! Eu não poderia dizer melhor como me sinto a esse respeito.
…ah, eu me acabo – muitas vezes consciente do drama, mas entregue ao momento: à intensidade da paixão, mundana, carnal, e profundamente, da alma. Pura-alma… (As pessoas não choram por que não acreditam mais na vida. Já entram numa relação sem acreditar no amor, para não sofrerem). Adoro homens sensíveis, poéticos e sensíveis…. Genero: humano.
Xico… choro quando estou feliz ou quando a tristeza me pega… choro pelo filho e choro por amor…rs… beijo Xico…
Chora,que a tristeza
Foge do teu olhar
Brincando de esquecer,saudade vai passar
E o amor já vai chegar
Canta,que a beleza
Volta pra te encanrtar
Num sonho tão pequeno
Que o dia escondeu..guardando pra te dar.
Como é bonito gostar e querer ficar
Com alguém pra quem possa dizer.
Olha,quantas estrelas.nascem pra ti encontrar
Depois do céu azul,a noite vai chegar
E eu pra te amar e eu pra te amar.
Esta música gravada recentemente por Caetano é tão linda como o choro de mulher descrito pelo Xico.
Vale ponto de busão? Haha
Nossa, ja vi muito também. vale mesmo! bjo
Normalmente, eu não tenho essa coragem. Sou homem, guardo tudo pro travesseiro solitário. Só choro em público no verbo, falo da dor; nada de lágrimas. Mas né opção, não. Simplesmente é assim – e pronto ;).
Amei! Ontem mesmo caminhei longos 4km, aos prantos, “protegida” por meus óculos escuros. Meu único consolo interior era que, de algum modo, aquilo me fazia sentir viva. E no fim, percebi que todo aquele choro aguava a ideia de que um amor que se vai é a mais bela das dores.
Sim, a dor do amor que se vai é a mais bela das dores! É de alguma forma um dilacerar de alma que valeu a pena.
Muito bom, Xico. Parabéns.
Chorei ao ler, estou chorando ao escrever, porque me trouxe a recordação de um choro em público, tb num aeroporto, por um amor perdido … Eu tentava prender o choro e as lágrimas corriam, corriam, desciam pela face e pingavam no lap top, onde escrevia um texto desesperado pedindo para ele não me deixar. Doeu pra caramba, não dava para segurar. Não prestei atenção nas pessoas a minha volta – só olhei para o rapaz sentado à frente, que se divertia com a minha situação. Belo artigo. Ainda bem que existem homens com sensibilidade para entender a facilidade que a natureza feminina possui para desabar no choro em público. bjo
Lindo texto! Hoje estou assim, um incontornável criatura.
Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão
Sábio e cafejeste poetinha…
Cada vez me apaixono mais por você!
Xico, vc me encanta, sempre!
Deu até vontade de chorar… rs…
Não sei, Xico. Às vezes é bom desabar de chorar sim, mas não acho que seja um privilégio feminino. Há estudos de gêneros que indicam que mulheres não têm mais vontade de chorar à toa, nosso choro incontrolável em público pode ser cultural, pode ser resultado de milhares de pequenas opressõezinhas diárias que em algum momento tem a gota (ou melhor, a lágrima) d’água e inundam tudo. Minha irmã é doutora em psicologia e estuda gênero. Ela me contou que há tribos indígenas em que nem homens nem mulheres choram, o que põe em xeque a “naturalidade” do fato de a mulher chorar mais. Agora, falando na questão prática de chorar em público, quando saí do interior pra metrópole e tudo era muito agressivo pra mim, chorei muito na rua e posso te dizer: é uma merda. Você fica completamente exposto, todo mundo te olha, todo mundo te acha uma louca descontrolada, ou tem pena, ou quer que você simplesmente suma porque está pesando o ambiente (se isso acontece em um barzinho ou festa, pior ainda). No trabalho, onde felizmente até hoje consegui evitar (pelo menos fui pro banheiro e mesmo assim não desabei, porque ficaria inchada e todos reparariam), se isso acontece a mulher fica marcada como desequilibrada, frágil, fresca e por aí vai. É bonito como você tem um olhar poético e consegue ver beleza e até invejar que nosso choro seja mais aceito que o masculino, mas chorar em público, essa sensação de não aguentar, é muito, muito ruim. Tenha certeza de que quando isso acontece não fazemos como um manifesto, mas por realmente não ter ferramentas pra segurar.
sim,vc tem razao.falo da coragem das mulheres,mas creio mais no traço cultural do q d gênero.bjo
Táia muito pertinente seu comentário sobre a matéria do Xico a gente se sente frágil, besta mesmo…mas acontece comigo e não consigo segurar choro em público mesmo sabendo que pode parecer autopiedade e detesto esse sentimento.
Mesmo com toda a fama, com toda a brahma/Com toda a cama, com toda a lama/A gente vai chorando, a gente vai chorando, a gente vai chorando.
Xico tem uma proposta de palestra aqui em San Jose. Está no seu e-mail.
Abrazo, mestre!!
e já estou chorando depois de ler esta crônica no meu trabalho, porque além de mulher sou canceriana
Xicosa
Que demais!!! Adoro a sua sensibilidade, Chicosa!!!
sua crônica purga a culpa por borrar os olhos, por desperdiçar lenços de papel, por acreditar.
Eu não choro em público, muito raro até pq eu tento viver em um mundo em que eu confie,ou seja, um mundo meu e paralelo.O Amor também tem vida própria, pertence a nós.Quando o dito cujo se vai, morre, sai de sua vida, não vibra na mesma energia a gente mata mesmo!Vira algo, o chorar é necessário e queimar os mortos e jogar as cinzas também.Nunca enterrá-los…. fiz isto e me sinto bem!
Não é a primeira vez que você vê uma moça chorar em público… http://temposdificeisparasonhadores.wordpress.com/2013/05/28/com-medo-de-se-afogar-nas-proprias-lagrimas/
não mesmo, talvez seja a 5a crônica pelo q contei. Não consigo não me comover. e sempre escrevo, acrescento alguma coisinha na antologia de dramas reais. bjo