Mistério do planeta: o riso de uma passante
14/08/13 16:47É um segundo da mais absoluta comoção. Chega a ser uma epifania? Sim, óbvio, é isso ai, pode escrever.
Não é todo dia. É raríssimo. Hoje cedo dei sorte de novo. Aquele raro minuto em que a beleza senta nos teus joelhos, como assobiava o menino Arthur Rimbaud. Senta, em uma fração de segundo, e vai embora.
Foi ali na frente da Adega Cesare, ai de mim, seu Rubem, ai de mim Copacabana.
Lá vinha a morena. Minhas retinas fatigadas fecham em close. Que maravilha. Aquele sorriso, como é que se diz?, indecifrável. Porque não se trata de um sorriso besta de alguma felicidadezinha passageira, de um ganho financeiro, de lance da sorte no amor ou no jogo. É mais.
Dá-me vinho e enigma que a vida é nada.
Muito mais do que o sorriso da Monalisa, que, reza a lenda, era o sorriso de uma grávida. Não é o sorriso dos paraísos artificiais dos remédios tarjas pretas ou de alguma pastilha psicodélica.
Nada.
Não é apenas o sorriso de quem recebeu uma notícia alvissareira, passou no concurso ou viu o regime fazer o efeito pretendido, uns quilos a menos, nova silhueta, que beleza! Nem chega perto.
Também não é o sorriso de quem ouviu uma cantada de amor com requintes de vida eterna.
A moça que ri sozinha na calçada é um mistério e a ele se resguarda. A vida, seu jornalista, não cabe em um lead-sublead.
Não é o riso de quem ouviu uma piada, um “gostosa”, “tesouro”, como dizia o Didi Mocó antigamente etc etc.
É lindamente complexo, sofisticado, fora do eixo das explicações e obviedades.
O poeta Manuel Bandeira, em correspondência com o cronista Rubem Braga, dizia que se tratava de momento raro, raríssimo, era mercadoria que não tinha preço, êxtase, coisa mais linda… Mas não arriscou um diagnóstico. Nem entrou no mérito, observou, e pronto, basta.
Será que a moça que vem na calçada ri de alguma coisa que despencou, naquele exato instante, do trapézio da memória? Alguma coisa muito engraçada dos tempos em que ela era uma pequena, uma piveta de joelhos ralados…, quem sabe uma queda de uma árvore ao subir pela primeira vez no pé de jambo da frente da casa com varanda?
Não é o sorriso de quem recebeu carta do estrangeiro, carta do amor que um dia escafedeu-se, saiu para comprar o king size do desamor e do desprezo.
Às vezes parece um pouco com um certo sorriso de maldade. Uma pontinha de vingança, quem sabe. Mas que nada. Só parece. Nada disso. À medida, mesmo naquele rápido segundo, que os lábios voltam ao normal, desfazendo o sorriso e a covinha, vê-se que não tem nada de maldoso naquele retrato.
Muito menos é tingido pelo gloss sabor uva da ironia ou o batom vermelho das vingativas. Não, não é nada irônico, nada ressentido.
Quanto mistério num sorriso de tão pouco tempo. Daria uns cinco anos de vida em troca do esclarecimento desse enigma de um segundo. Chego até a refletir, cofiando a barba rala e dando pequenos nós na costeleta: será que é consciente, será que elas sabem que o misterioso sorriso toma conta do rosto naquela hora?
Não, também não é só sexo. Por mais que o gozo, a pequena morte, como dizem os franceses, faça bem à pele e seja motivo do carnaval particular no peito, não é esse ainda o motivo isolado daquele sorriso, um sorriso mais invocado do que o sorriso do gato de Alice.
Gastaríamos telas e mais telas, árvores e mais árvores de papel, em especulações ainda sem rumo. Coisa de agoniar o juízo. Melhor mesmo apreciar, estoicamente, esse lindo mistério de uma passante.
No mais, amigo Antônio Maria, é lembrar daquele teu velho chiste: “Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire.”
ALL YOU NEED IS LOVE.
Pois é… vou continuar tentando encontrar poesia nisso. Não vou desistir tão fácil! O mundo é tão heterogêneo que é normal que alguns gostem outros não. Pode até ser uma questão de empatia, simpatia ou cardiopatia, mas o fato é que não consigo enxergar o valor disso. Já levei umas indiretas de leitoras protetoras, fui mal-comparado a Hitler, levei um puxão de orelha do Xico, mas não ainda acho que ninguém está chegando a lugar nenhum (eu inclusive).
Fernando, meu caro, creio q as coisas sejam bem mais simples. e não te vejo nada como Hitler nao, reclamei so do tom agressivo, q costuma ser a pegada aqui no mundo virtual mesmo. mas voltando “a simplicidade: esse lirismo da minha crônica não te pega como leitor. tem quem se identifique e goste e gente q nao. é simples. eu mesmo nao fico satisfeito com a maior parte da minha produção. quero sempre fazer melhorzinho. grande abraço
O texto é belíssimo. A gravura relacionada não entendi. O que aconteceu à bela moça morena e grávida que nos fez melhores com o seu sorriso?
é, vc tem razão, a moça do Manara, q é uma personagem q flana pela cidade, ate cabe ai, mas poderia ser bem melhor e adequado ao tema. valeu pelo toque.bjo
Certa vez eu estava andando na rua, lembrando de momentos felizes; e sem perceber eu estava com esse sorriso no rosto e veio uma senhora me dar bom dia e disse que todos deveriam sorrir mais pra vida, sem razão sem motivo, pra vida poder sorrir de volta. Sabedoria de quem já viveu muitos e muitos anos… Li esse texto e lembrei desse “causo”. 🙂
Os letreiros a te colorir,embaraçam a minha visão…eu te vi suspirar de aflição e sair da sessão ,frouxa de rir….passas sem ver teu vigia,catando a poesia ,que entornas no chão….
Somos todos em geral egocêntricos.Achamos que somos responsáveis pela queda da bolsa de Nova York,do tsunami no Japão,da primavera árabe,do desemprego na Grécia,etc…Aí passa uma moça,talvez sonhadora,com seu lindo sorriso enigmático,a milhões de anos luz de nossa atenção.Tolos,somos nós seres humanos,que nos achanos donos do mundo.Não somos donos nem de um sorriso.
Lição de vida:PREPOTENCIA E ARROGANCIA,NÃO LEVAM NINGUEM A LUGAR NENHUM.
Não daria cinco anos de minha vida para esfinge responder, mas mais cinco para o enigma se repetir e repetir até
Há mulheres que carregam a primavera dentro de si, inclusive entre o inverno e o outono.
Ai, ai… que gosto apreciar esse texto…
“A rua ensurdecedora ao redor de mim agoniza…” eu te procuro pelo Poluma, Adega Pérola e El Cid.
Espero te ver em Copacabana.
Um pé de jambo da frente da casa com varanda. Essa moça deve ter uns quarenta e picos, pois, Jambo e casa com varanda…
Amei tudo isso.
Depende do lugar, Carmen, hahaha,mas realmente essa referência remete a nosso passado. sorte q a minha mãe, vê o Édipo na jogada, ainda tem casa com varanda,mas la em Juazeiro do Norte.bjo
Fenomenal, Xico! Sábado tem mais na Biblioteca São Paulo. Ao vivo e a cores.
Abrazo, mestre!!
opa,amigo,viva o PPP. vai lá sabado? abrazo
Com certeza, mestre. Aproveita e me presenteia com o Caballeros…hehe…
Abrazo
te levo.vou botar agora na mochila pra nao esquecer.abrazo