A solidão da mulher que se enfeita para sonhar
12/07/13 01:32Só o reflexo azulado da tevê por companhia. Peraí, agora vejo também uma redinha de proteção contra queda de animais, um pequeno cão, talvez um gato –ainda não consegui vê-los nesta minha chegada a Copacabana.
Lembro, de cara, do verso do Drummond, ilustre morador do bairro:
“Nesta cidade do Rio, /de dois milhões de habitantes/, estou sozinho no quarto, /estou sozinho na América.”
Agora vejo seu rosto. Ela se ajeita no espelho, talvez para dormir, quem sabe já tomou algum necessário tarja preta. Vaidosa, ela capricha no penteado.
Havia uma certa viuvez no primeiro momento que a avistei na janela. Luto algum, porém, encobria aquela dama, repensei. Uma resignada, refleti, apelando ao mais cristão dos verbos.
Dias antes, recordo, havia visto a mesma mulher tomando uma Leão Veloso, a sopa dos sete mares, uma das maiores invenções da humanidade, no bar e restaurante Príncipe de Mônaco.
Nada mais solitário do que uma sopa na esquina de casa. Uma taça de vinho verde e duas ou três palavras com os garçons, no conforto de antiga frequentadora do estabelecimento.
Larguei o jogo na televisão para vê-la. Uma dama linda, uma sessentona conservada, que me perdoem por expressão tão antiga. Talvez nem isso. Dei-lhe uns cinquenta e pouco, apesar dos desmentidos dos garçons cearenses, esses pestes tiradores de onda de toda a humanidade.
É a mesma que miro agora no prédio do outro lado da rua. Um charme de Catherine Deneuve a cada gesto, classuda, a solidão mais elegante da América.
Prepara-se para dormir. Ela sabe que os sonhos são restos de filmes não-aproveitados pelos cineastas mortos. Ela sonha Buñuel, quem sabe.
Se teve bons ou maus maridos, pouco importa.
Ela sabe, nada nostálgica com o Rio antigo, que a vida é tango, jamais bossa-nova.
A bela solidão da mulher que se enfeita para os sonhos.
Há uma impressionante dignidade a cada movimento dela no apartamento de uns 200 metros quadrados. Às 00:11 desta sexta, ela ri irônica para o espelho, volta, fecha a cortina, talvez durma mais tranquila do que todas as mulheres mal-acompanhadas da América.
Bom dia Caro e Querido Xico.
A bossa nova pede licença para discordar do amigo :
http://letras.mus.br/tom-jobim/49074/
A bossa nova tem muita razão, sempre. apenas no caso desta solidão talvez va melhor um tango.abrazo
isso é coisa de quem chegou muito atrasado ao rio,como este cronista. abs
e dormindo ela vive! vc como sempre, muito perspicaz!! Lindo!
” A felicidade morava tão pertinho
Que de tolo até pensei que fosse minha … ”
(Chico Buarque)
Poxa Xicosa passa o endereço.
Não existe atitude mais facista do que a CENSURA.Lembrem-se de 10 de maio de 1968:É PRIBIDO PROIBIR.Abraços.
Interessante, meu caro Xico, para estar entre as mulheres mal acompanhadas da América, não importa a idade não e? Até mesmo aos 30 pode-se ter alguém totalmente sem graça pra dividir a cama. Abraços.
Sobre a coluna Descamisados da folha de esporte deste sábado,tem gente que não percebeu que este pais não existe sem Oscarito , Grande Otelo,Zé Trindade ,Derci Gonçalves, Chacrinha,Gordurinha, Jackson do Pandeiro,Garrincha,Costinha.A alma do nosso pais é este.E quem não achar isto ,que se foda. E viva Macunaíma,nosso héroi.
.e também Tom , Vinicius,Buarque,Chico Anisio ,Renato Aragão,Caymmi,Glauber Rocha,Jorge Amado,Pixinguinha,Vandré,Caribé,Portinari,Gonzagão,Luis Fernando Verissimo,Leminski e tantos outros,os verdadeiros gênios da raça.
grandes nomes. gracias pela leitura.abs
Estive aí em Copa na semana passada, não tive tempo de olhar os vizinhos, minha linda tava comigo, e só saíamos para beber e comer um galetinho no Sat’s! Mas lembro de chegar na janela que dava pra Barata Ribeiro e vi numa janela acima, bichos! de todos os tipos, onças, gatos, cachorros, vacas e até uma girafa, mas eram todos de gesso. Saudade de apertar o coração…
Sabe, eu acho q toda mulher, mesmo ¨acompanhada¨ tem o ritual da solidao quando se prepara pra dormir, é um momento único…..é seu momento.
Está só não implica em solidão. Solidão é necessidade de pessoas. Pode-se estar e bem, como aparentemente, está a bela dama de Copacabana.
Antes só,que mal acompanhada…
Mil vezes a paz da solidão. Porque solidão a dois, é a treva de Tandera
Amo seus textos. A propósito: tem notícias de Maria Bonita?
Sublime Xico 🙂
E quantas vezes também eu não observo os meus vizinhos?
Aqui numa casa ao lado do apto onde moro acompanho detalhes de suas vidas e eles parecem tão alheios a minha existência,talvez a todo o resto o que me faz pensar numa sublimidade parecida com a sua.
Esplêndido!
Perfeito! Identificação plena. abraços.
Muito poético Xico: A bela solidão da mulher que se enfeita para os sonhos.
Muito bom. De uma leveza rara, com toques do rubem braga mas surpreendente a cada instante, enfim, um bom tango dançado em um apartamento do rio.
xico, meu guru do crato
“se inventarem coisa melhor que mulher não quero nem saber”…são por essas e outras
que sabemos que a mulher é tudo e muito mais…um colirio para os olhos…
abraços fraternais velhinho!!!
Lindo texto Xico, você é um observador da alma feminina como poucos! Ricos detalhes e percepção na preparação do deitar de uma mulher! Ah quantos pensamentos nos ronda nesta hora, só nossa e dos nossos cremes. rs rs rs
bravo bravo bravo
um xêro
A delicadeza das suas palavras tornam a solidão de uma mulher de 60 (num pais onde só a juventude importa!) numa imagem docemente melancólica, em um trecho de filme francês antigo!!! Lindo, Xico! Lindo !!!!
É meu caro Xico, infelizmente ou felizmente estamos fadadas a solidão em algum momento da vida. Aos 40 já sofro desse mal rs rs. Mas como bem diz: “talvez durma mais tranquila do que todas as mulheres mal-acompanhadas da América”.
Merda! Li, agora choro!
…estamos mais solitarias do que nunca. Fiz de conta que era pra mim e chorei. obrigada, muito lindo. beijos
Quando já não existem muitas expectativas .a vida fica mais serena e o sono bem mais tranquilo.O grande mal que aflige a humanidade é a ansiosidade.Que será ,será?
Onde esta ansiosidade,leia-se ansiedade.Falha nossa.
O medo é o pior dos males.
Que a solidão nos seja digna até na hora de dormir.
É Xico, o Rio vai nos proporcionar muitas boas crônicas.
Outros ares, novas crônicas e a velha doçura jurubeba desse velho lobo gentil.
Voltando a te acompanhar, ou seria me acompanhar (suas crônicas).