No tempo do ficar, quase nada fica
09/06/13 12:56Sob o massacre publicitário do dia dos pombinhos, retomo uma crônica de costumes a respeito da frouxidão dos laços de ternura e da falta de pronunciamento dos rapazes:
É namoro ou amizade? Rolo, cacho, ensaio de amor, romance ou pura clandestinidade?
“Qual é a sua, meu rapaz?!”, indaga a nobre gazela.
E o homem do tempo nem chove nem molha. Só no mormaço, só na leseira das nuvens esparsas.
No tempo do amor líquido, para lembrar o título do livro de Zygmunt Bauman sobre a fragilidade dos encontros, é difícil saber quando é namoro ou apenas um lero-lero, vida noves fora zero…
Cada vez mais raro o pedido formal de enlace, aquele velho clássico, o cara nervoso, se tremendo como vara verde: “Você me aceita em namoro?”
O tempo passava e vinha mais um pedido clássico e igualmente tenso. O pedido de noivado. Mais adiante, a hora fatal, mais uma tremelica do jovem mancebo: “Você me aceita em casamento?”
E pedir a mão aos pais, meu Deus, haja nervosismo. Melhor tomar um conhaque na esquina para encorajar-me.
São raros, raríssimos hoje esses nobres pedidos. Em alguns setores mais modernos e urbanos, digamos assim, talvez nem existam mais.
O amor e as suas mudanças.
A maioria dos homens, além de não pedir em namoro, além de não pegar no tranco, ainda corre em desespero diante de uma sugestão ou proposta de casamento feita pela moça.
O capítulo bom da história é que agora as mulheres também partem para o ataque e, diante de uns temerosos ou canhados sujeitos, escancaram suas vontades, suas paixões, e fazem suas apostas, seus pedidos, põem na mesa os seus desejos e as cartas de intenções.
Voltando ao mundo dos homens, lembro que era bem bacana esse suspense masculino do “Você quer namorar comigo?”.
Havia sempre o medo do fora. Um sim, mesmo o mais previsível, era uma festa.
“Quer namorar comigo?”
No tempo do “ficar”, quase nada fica, nem o amor daquela rima antiga.
Peguetes do mundo, uni-vos.
Alguns sinais, porém, continuam valendo e dizem muito. O ato das mãozinhas dadas no cinema, por exemplo, ainda é o maior dos indícios.
Tanto quanto um buquê de flores, mais do que uma carta ou um e-mail de intenções, mais do que uma cantada nervosa, mais do que o restaurante japonês, mais do que um amasso no carro, mais do que um beijo com jeito, daqueles que tiram o gloss e a força dos membros inferiores.
“Vamos pegar uma tela, amor?”, como se dizia não muito antigamente.
Eis a senha.
Mais até do que um jantar à luz de velas, que pode guardar apenas um desejo de sexo dos dons Juans que jogam o jogo jogado e marqueteiro.
O cinema, além da maior diversão – como diziam os cartazes de Severiano Ribeiro – é a maior bandeira.
Nada mais simbólico e romântico.
Os dedos dos dois se encontrando no fundo do saco das últimas pipocas.
Não carecem de uma só palavra, ainda não têm assuntos de sobra.
Salve o silêncio no cinema, que evita revelações e precoces besteiras.
Ah, os silêncios iniciais, que acabam voltando depois, mas voltando sem graça, surdo e mudo, eterno retorno de Jedi. “Nada mais os unia do que o silêncio”, escreveu mais ou menos assim, com mais talento, claro, Murilo Mendes, poeta dos melhores e mais líricos.
Palavras, palavras, palavras…
Silêncio, silêncio, silêncio…
Dessas duas argamassas fatais o amor é feito e o amor é desfeito. Simples como sístole e diástole de um coração que ainda bate.