Vanzolini, cascavéis e o amor que rasteja
29/04/13 01:41E lá se foi Paulo Vanzolini, 89. Não tenho nada a acrescentrar ao seu obituário. Deixo, porém, nesta madruga tingida de luto e melancolia, uma crônica sobre um dos seus maiores personagens: a mulher que ronda a cidade à procura do seu amor vira-lata.
V de vingança, V de Vanzolini.
A mulher chega na frente do bar, assim como não quer nada, vasculha com as vistas, e vai embora. Mais adiante repete o mesmo ritual em outra freguesia. Está desesperada à procura do marido, do traste, do vagabundo, como deve ser tratado doravante.
De tanto ver tal cena na capital paulista, quando trabalhava como patrulheiro de ruas no baixo meretrício, Paulo Vanzolini fez a música “Ronda”, como relata o poeta-sambista no filme “Um homem de moral”, dirido por Ricardo Dias.
Conheci Vanzolini pessoalmente há quase cinco anos. Na véspera das homenagens ao seu 85º aniversário. Diante de todo aquele samba-exaltação ao músico, ele dizia preferir receber todas as honras, vivo ou morto, pelo seu trabalho como zóologo da USP, doutor em biologia em Harvad, cientista especializado em répteis.
Havia começado, na obsessão por descobrir os mistérios da natureza, um estudo sobre o comportamento das cascáveis. “Não estou falando das mulheres indomáveis, amigo”, mandava o chiste.
Criatura que rasteja, seja macho, fêmea ou bicho era com Vanzolini. A música dele está repleta da gente que esperneia, alma em desassossego, como a dama que procura o marido, amante ou cacho em uma longa viagem ao fim da noite paulistana.
E foi ao ouvir de novo a canção que joguei na mesa do botequim o debate: esta mulher de “Ronda” ainda existe? A destemida que enfrenta o frio e as almas sebosas da madruga em busca do seu homem?
Há controvérsias, como diriam os diplomáticos. Ora, hoje em dia existe o celular, ela não careceria de tanta humilhação, diriam outros mais espertos. E se ele desligou o aparelho, como muitas vezes acontece nos chá-de-sumiço do gênero?
Um pouco da canção enquanto o leitor reflete sobre o tema: “De noite eu rondo a cidade/ A te procurar sem encontrar/ No meio de olhares espio em todos os bares/Você não está…”
O problema é que agora somos nós, os homens, que rondamos em vão à procura da cria das nossas costelas, opinariam amigos que se pelam de medo de um chifre. Até que faz sentido. Sintoma dos tempos, coisas da vida. Bem feito. Eu acho é pouco. Levamos o troco da história.
Vanzolini gira na agulha: “Volto pra casa abatida/ Desencantada da vida/ O sonho alegria me dá/ Nele você está…”
Coitada, você diria a essa altura, abaixou-se mais do que os répteis investigados pelo Vanzolini. Recolha a sua piedade, amigo, e aguarde as cenas dos próximos capítulos.
“Ah, se eu tivesse/ quem bem me quisesse/ Esse alguém me diria/ Desiste, esta busca é inútil/ Eu não desistia…”
Até ai tudo bem, rola o vinil na vitrola, mas a dama, logo adiante, já ensaia a tragédia: “Porém, com perfeita paciência/ Volto a te buscar/
Hei de encontrar/ Bebendo com outras mulheres/ Rolando um dadinho/Jogando bilhar.”
Como vê, amigo, o ciúme sempre corre na frente da realidade e puxa o rabo de todos demônios interiores.
Até o trágico epílogo: “E neste dia então/ Vai dar na primeira edição/ Cena de sangue num bar/ Da avenida São João.”.
Não foi por falta de aviso. Os seres que rastejam depuram no alambique do peito os venenos mais trágicos.
É a minha história de boêmio. Minha e de zilhões.
uma prostituta disse: ter orgasmo é acidente da profissão. Se apaixonar na zona, não é acidente, é tortura. Precisa ser com lupicinio rodrigues: ” quem a de disser que naquela mesa bebendo é o meu antigo amor….”
e dai:
“uma prostituta disse: ter orgasmo é acidente da profissão.”
Acidente de percurso.
Sei bem .
Pois é, agora só restou o EDUARDO GUDIN pra falar de São Paulo!
Se tivesse começado hoje na Zoologia, teria muito mais rastejantes para estudar, principalmente na politica!!!
Este Sr. vai deixar muita saudade. Fantastica mistura de zoologia com a musica!
Sim, Sr Xico, ainda existem mulheres assim e , OK c um pouquinho de vergonha digo ser uma delas, q já até achei o safado…pior, perdoei!!!
Amava e sempre amarei Vanzolini, poetaço, anime aí em cima amigo
Regina, tbm sou uma dessas… o meu safado foi encontrado, perdoado e a 2 anos ambandonado.
Logo depois que eu resolvi desaparecer, fiquei sabendo que ele mudou para o interior.
O samba faz uma pausa de mil compassos. Enquanto procuram a mulher da música “Ronda”, eu ainda espero cabra macho e regado de romantismo da canção “Na Boca da Noite”.
É verdade, caro Xico. As músicas de Vanzolini estão repletas de seres que rastejam. Mas é bom não esquecer: um homem de moral não fica no chão. São Paulo, sem nosso poeta-acadêmico, ficou com a alma mais muda.
eita, rapaz, eu poderia ter feito esse contraponto com o homem de moral. valeu. abrazo
E onde estão escondidos esses exemplares, digo, os que não ficam no chão?
Bem queria saber onde andam os homens de moral…
bj, Tomaz
tive o previlégio de ser seu aluno….ouvi-lo contando seus “causos” …..me ensinou a zoologia a degustar um churrasco de gibóia , e a entender a vida …..o céu está em festa…chegou o POETA
Dos últimos sambistas paulistas,ainda sobrou o grande Germano Mathias:Guarde a sandália dela ,que o samba sem ela não pode ficar…diga também pra ela ,que a escola sem ela não vai desfilar.
Vai em paz grande ícone da ciência e poeta das almas aflitas!
Tua obra inigualável, como bem disse o Prof. Eduardo Faria, há de perdurar até a finitude dos tempos.
Um poeta, um maravilhoso poeta!!! Vai faltar tempero na MPB. Vale lembrar que nunca se afastou da ciência que tanto amava…”A vida de zoólogo é vida muito ciumenta”…
os preços dos remedios subiram demais. FORA DILMA!! FORA PT!!! INFLAÇÃO VOLTANDO PELA INCOMPETENCIA DO PT
Sempre tem um espirito de porco,né?
Nossa, que coisa desagradável, chato isso!
São Paulo ficou 1/3 mais pobre quando Geraldo Filme partiu… depois empobreceu outro terço quando Adoniran Barbosa se foi… o bocado derradeiro perdemos hoje, com o desaparecimento do Paulo Vanzolini…
Cidade grande mas pobre, desalmada e de personalidade frágil… precisamos valorizar muito nossos artistas, entre eles os músicos, para que tenha sua face humana re-rabiscada…
Nem todos meus heróis morreram de overdose.
….é ,alguns não……
Através destes poetas boêmios ou boêmios poetas, consegui entender um pouco meu pai. Minha mãe esconjurava a vida que ele levava, ele jamais se importou. Nasci escutando as músicas de Vanzolini, Lupicínio, Ciro Monteiro e sempre achei, cá pra nós que ninguém nos ouça, que o mundo dos boêmios tinha muiiiito encantamento!!!
Obrigada, Xico Sá, por falar com propriedade de um mundo que não conheceu!
Xico, seus textos são ótimos; procure no google: LIVRO CIBERCELULAS. Você se surpreenderá!
Velhos tempos,que a gente circulava,pelas noites paulistanas,tomando uns birinaites,comendo uns tira gostos,e jogando bilhar.Hoje em dia ,o perigo,não é ser esfaqueado pela dama traída,mas,por muitos tipos sinistros,que habitam esta cidade sem lei.
Xico, o que mais me entristece com o passamento do grande cientista e poeta Paulo Vanzolini, não é a saudade que brotará em cada um de nós, já que sua obra ficará eternizada em nossos corações, e sim a certeza de que homens tão sensíveis como ele e o Adoniran, que tão bem retrataram nossa cidade jamais serão iguadalados.
Eduardo
São Paulo – Capital
Caro Xico, hoje estou aqui na minha Bahia querida, da boemia também. Quando morei em São Paulo na década de 60, trabalhei na Plástica Americana que hoje não mais existe, ali pertinho tinha um barzinho de nome se não me falha a memória “Buenos Aires” ou “Boi nos Ares”, e lá todo o fim de tarde, cansei de tomar chop com as presenças de Ciro Monteiro, Orlando Silva, Adoniran Barbosa e esse também cronista das noites paulistanas junto com Adoniran, o zoologo e nas “horas vagas” o grande compositor Paulo Vanzolini.
Complementando o que escrevi, a Plástica Americana era na Av. Rio Branco
Pois é Xico. Levamos o troco da história…Para agradar o cientista-poeta eu ouso acrescentar que levamos o troco da evolução.
O melhor de tudo é que ele tinha olhar de cientista, mesmo que vendo mais que nós todos juntos, depois ativava e avermelhava o coração para ver como leigo.
Doçura de pessoa, mestre intuitivo, compunha sem saber nada de música “Ela vem prontinha.” Mestre prontinho, acessível e filosófico, raridade. Sorte a nossa que ele estava sempre onde “ela” iria pousar.
Deixou seus pedaços mais maravilhosos entre muita gente e sua crônica é um destes pedações.
Prefiro agradecimentos a chorações : Salve, Paulo!!! Aquele que me e (te) fez ser e ficar assim.
Na praça Clovis,minha carteira foi batida.Tinha vinte cinco cruzeiros e o seu retrato….Vinte e cinco ,francamente achei barato,pra me livrarem do meu atraso de vida….Genial…Descanse em paz poeta.
Será que ainda existem mulheres com as de “Ronda”? Ou será que hoje em dia elas já dão o troco e chifram primeiro antes? Eu acho que ainda existem; enquanto existir o ciúme, o amor e a angústia de existir.
Dar o troco e chifrar antes? Acho que só as sinceras.
É, talvez… Visto que chifrar pode até ser infidelidade, mas se contada, a lealdade fica preservada! Nesse caso, a sinceridade precisa estar presente…
Linda homenagem Xico!Voce é pura sensibilidade revestida da eterna angústia do existir…
Foi-se mais um camarada de goles. O Vanzolini era meu vizinho andava de vez em quando pelo bar do Filé e também pelo Juriti(melhor boteco de SP) tem até foto dele na parede..Xico aparece lá para tomar umas um dia desses, esses bares são o templo gastronomia de esquina e dos birinaitis de quem sabe o que é bom…No Filé de vez em quando rola um samba em homenagem ao grande cientista, mas o Vanzolini além de entender muito de cobras e lagartos entendia muito da loucura de existir…
Lindo Xico Sá! Mesmo com a invenção do GPS,Celular e Network, a música é atual! Ainda não é’possível matar sem estar frente a frente com o cabra!
Xico Sá é um doutor das crônicas e aqui retrata, com singeleza, magnífica homenagem a Vanzolini.
Lê-se que ‘Ronda’ não era a musica atual preferida de Paulo Vanzolini por considerá-la piega. Mas foi a que o eternizou como cronista social das madrugadas paulistanas. Observador nato dos répteis, P Vanzolini teve tambem o olhar clinico para quem rastejava de amor na busca da sua presa fugidia.
Xico, penso que existam sim essas mulheres da Ronda… Chiques, mulambas, sóbrias ou nem tanto, saem à caça de seus machos ou dos machos de outras, amigas ou nem tanto, mas essa busca inútil, a perfeita paciência, podem se travestir de modernidade – mas são tão perenes quanto o amor…