Viver não tem alvará, baby, viva a rua
03/02/13 04:30Se a rua é perigosa, imagina lá dentro da coisa fechada, o labirinto dos labirintos…
Outra dia a discussão era bem diferente: só boate e shopping são seguros, o resto é risca-faca, faísca, mundiça, sol por testemunha, ignorância, bagunça, perigo.
Era a discussão na mesa, a távola dialética dos homens e mulheres que não acreditam nas verdadezinhas comezinhas e imediatas.
Trouxe nossas incertezas, só sei que nada sei, aqui pra mesa redonda do blog.
Pois é, diz uma amiga, Marília, todo mundo corria para as boates ou para o shopping center, lugares das diversões e compras segururíssimas, mas aí começaram a discutir os alvarás…
No que pulamos, do nada, como todas as conversas de bar, para um assunto que, talvez, quem sabe, ainda tenha a ver com o último parágrafo:
Em um momento de rebuliço nas casas noturnas –óbvio efeito de Santa Maria, como se o truque moral e midiático virasse uma eterna porta corta-fogo-, SP vai às ruas, agora sem as proibições e frescuras do kassabismo, para brincar um grandioso Carnaval de véspera.
Sem pânico em SP, simbora, Inocentes & Clementes, pianinho, pianinho, como sempre pediu o nosso amigo genial Benito de Paula.
No que sussuro no ouvido da minha (possível) pequena:
-Viver não tem alvará, baby!
Se é que você me entende.
Embora seja legal demais se cercar dos cuidados técnicos obrigatórios, blablablá, viver é perigoso, como diziam nos sertões-veredas… imagina nas cidades grandes!
Falemos de uma coisa parecida, mas nem tanto, só para ajudar na maquinaria dos assuntos.
Não, não quero dizer que tudo é acaso, lance de dados, etc, seria muito irresponsável e poético.
Só quero dizer hoje que toda vez que SP, uma cidade acostumada aos vícios da exploração privada e ainda sem jeito para as virtudes públicas, festeja na praça, esse mundo todo que somos nós, polaquinhas & paus-de-arara, se agiganta, fica maior que um sonho de Gulliver.
Ontem foi bonita a festa, pá, com a saída de blocos como Os Soviéticos, Bangalafumenga, Sargento Pimenta, Pimentas do Reino e Kolombolo etc.
E repare que é o julgamento de quem acabara de chegar do complexo Recife/Olinda, duas cidades coladas que já nasceram, desde o boi voador do conde holandês Mauricio de Nassau, ainda no século XVIII, com vocação para celebrações públicas.
Ontem a farra foi na Vila Madalena. Pasme. Faltou até cerveja na cidade que mais sabe gelar coisa boa no mundo. Hoje, endomigados corações continuam o que pode se tornar a grande prévia de rua do país. Tem, na mesma vila, Confraria do Pasmado e outros blocos.
Na região central é a vez do Acadêmicos do Baixo Augusta, na artéria do mesmo nome, segue o corso da existência.
Não há civilização sem carnaval de rua ou festa pública. Carecemos de tal animalidade como a França precisou do existencialismo. Cada qual com suas pitangas sartreanas.
É tanto que SP inventou a Virada Cultural para fugir à barbárie do ingresso eternamente pago, caro e muitas vezes injusto.
Toda grande cidade do planeta tem uma bela festa a céu aberto.
Amsterdã tem umas duzentas, Berlim nem se fala, Recife é covardia, vocação de nascença, talvez seja a campeã do gênero no universo.
Óbvio que foi em Kingston, na Jamaica, que vi as mais quentes pauleiras de rua. Juro. Com vinis prensados quase ali na hora, como caldo de cana, e os negões só no scratch –nos discos e nas bundinhas- ajudados pelo vento de Jah e sua fumaça divina.
O Rio é cada vez melhor na coisa, Belém mistura sagrado e profano, Salvador tem a manha, sabe muito, apesar de cobrar pelos seus abadás caríssimos.
BH também faz na rua e Minas ferve em Ouro Preto, embora meu coração bata agora em Nepomuceno, a reinvenção do amor, sempre, meu sentimento do mundo mistura caos urbano e metafísica da roça.
Enfim, brinquemos de ser alguma coisa. E chega de tese. Sejamos crianças de domingo, como cantava o Fellini, tempos depois reverberado lindamente por Chico Science & Nação Zumbi, a maior banda que o Brasil já teve.
Há controvérisa? Lindo. Qual sua maior banda brasileira?
Viver é perigoso.
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