Para acordar os homens e adormecer as crianças
30/01/13 03:15Embrulhei o estômago, como se diz na minha terra, e nada consegui escrever sobre a tragédia de Santa Maria até agora.
“Embruei o estambo”, como se diz mais precisamente na mesma prosódia gonzaguiana do sertão-blues do assum preto, símbolo do luto e das dores do mundo, com ou sem grades e gaiolas.
Se bloqueei como escrevinhador, os amigos do ramo escreveram por mim. Cada qual ao seu modo e sentido:
Fabrício Carpinejar, com um poema que reacordou as palavras e os homens de um silêncio nunca dantes. Lembrei do Drummond, vide o vinil do Clube da Esquina, que preparava uma canção para acordar os adultos e adormecer as crianças. Dormem os meninos, eles estão apenas dormindo, como disse um dos pais diante do choque.
Nada mais acertado por parte de “O Globo” do que publicá-lo na cumeeira da primeira página. Outros meios reproduziram o poeta e cronista gaúcho.
André Barcinski, colega aqui de blogs da Folha, com uma análise precisa de quem conhece os labirintos kafkianos para “legalizar” uma casa noturna. Ja foi dono de uma em SP. O texto repercutiu no mundo inteiro.
João Valadares, com uma reportagem (Correio Braziliense) que mostrou que a dor da gente, caro Chico, sai no jornal –sem carecer, nem de longe, dos métodos das montanhas dos sete abutres e outras carnicerias.
Fico aí apenas nos textos que li mais atentamente.
É bom citar também a visão cosmopolita de Clóvis Rossi. Mencionou que a tragédia é marca do subdesenvolvimento arraigado, mas não esqueceu de dizer que a tevê espanhola cuidou de alertá-lo sobre dramas semelhantes ocorridos no tal Primeiro Mundo.
Embrulhei o estômago, estambo, embruei.
Não saiu sequer aquela velha opinião formada sobre tudo, sempre no bolso do casaco do blogueiro para cumprir o ofício.
Imagina para a família, mas imagina sobretudo para uma mãe.
Imagina para as mães que irão arrumar os quartos dos seus meninos e meninas depois que abaixar a poeira, a fumaça, o barulho da comoção pública.
Em quaisquer circunstâncias, o peso, do morto ou do vivo, é da mãe.
Até no crime e castigo, uma mãe é quem tira cadeia, quem cumpre a pena do filho, como me dizia ontem, no Recife, Naire Valadares -mãe do João, repórter, citado aí acima. Advogada com vasta experiência no sistema prisional, Naire sabe do que está falando.
Não há punição dos homens, por mais que severa aos tais culpados da tragédia do Rio Grande, que torne a terra mais leve para elas.
Você não conseguia escrever, mas fez o melhor arremate da colcha de retalhos do que cada um conseguiu escrever.
Meu sedutor de plantão!
Vc. é meu sonho de consumo.
E agora o que faço sem a “Saia justa”?
Vai bater uma saudadeeee…
PARABENS, MELHOR comentario de todos.
Sou mãe. Meu filho tem 21 anos, idade de muitos dos que se foram nessa tragédia. Não consigo, nem com muito esforço, imaginar tamanha dor para essas famílias. E choro por essas mães, porque é desesperador imaginar que nossos filhos sofreram antes do seu último suspiro e que nós não estávamos lá para segurá-los em nossos braços e dizer: ” A mãe tá aqui! A mãe vai cuidar de você.”
explora o assunto só para aparecer, não há emoção nesses lugares comuns aí
Devo ser burro pois não entendi absolutamente nada do que você escreveu.
Deve mesmo.
Linda, a desgraça alheia é a matéria prima dos “profissionais” da mídia ou dos políticos que para conquistarem votos vertem lágrimas de crocodilo. Já imaginou um país utopicamente perfeito com os agraciados das bolsas esmólas, agora ricos, devolvendo os benefícios aos governos acrescidos de remunerações? Ou os políticos arrependidos de suas ilicitudes agora de fato trabalhando pela comunidade?????
Lindo e triste, muito triste.
A um tempo venho lendo essas belas crônicas e te vendo pelas ruas do Recife, tomando uma cerveja e lendo um livro ali na rua da Moeda – com vontade de cumprimentar, porém com medo de ser chato não vou.
Essa triste/bela crônica aumentou minha admiração pelo seus textos. É como os outros admiradores falam: o guru do Crato.
Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Este trecho da música do Chico Buarque traduz a dor cruel.
Vani, foi exatamente nesta letra que eu pensei lendo o texto do Xico.
Não escreveu escrevendo, Xico, linda e tristemente… Vc citou textos que te comoveram, chegou a ver as charges que indignaram todo mundo? Se viu com certeza se indignou também. Beijos, querido Xico Sá.
Não escreveu escrevendo, Xico, linda e tristemente… Vc citou textou que te emocionaram, chegou a ver as charges que indignaram todo mundo? Se viu com certeza se indignou também. Beijos, querido Xico Sá.
Fora a vontade de chorar, só me vem na cabeça, uma frase de um outro Chico, também genial: ” a saudade é arrumar o quarto de um filho que já morreu”. Muita tristeza.
Depois que acontece a tragédia,é que as auroridades apontam as falhas na segurança.
Só que isso não vai trazer os mortos de volta para suas familias…
Falou bem Xico , não há palavras que comportem tudo isso. Só emoção e aprender.
Acredito que se os muitos responsaveis sentissem ou sentirem um pouco já é muito.
Essa a doença , falta de SENTIR…abraço
Emocionante meu Guru,essa é prá guardar e compartilhar.Tks.
Meus Deus!!! O que aconteceu com o cabelo do Reinaldo Gianechini?? Tá parecendo uma peruca!!! Tá parecendo o Caubi Peixoto!!!!
Pq vc não se mata e nos livra dessas besteiras!? Vc não percebe que o assunto tratado aqui é sério?
Querido xico…. sempre digo que o amor de mãe…é o amor que dói….. dói de tanto amor…dói somente de pensar que nosso(a) filhinho(a) possa se machucar…imagina MORRER……nao tem palavras que amenize isso… é muito triste.
A perda de entes queridos,como pais, já é avassaladora,imagina perder um filho ou dois.Por mais que queiramos entender nao podemos acreditar que a vida nos pregou tal faceta em levar primeiro o filho,bem antes de nós.
Falo com propriedade tais dores,partilho delas,pois por afogamento,perdi dois lindos filhos,no auge da jovialidade,18 e 17 aninhos.
A vida seguirá para todos os pais que estão passando por isso,tal qual sigo nessa imensidao azul do globo,mas as cicatrizes e saudades jamais deixarão esquecer alguém que tanto nos dedicamos,um filho!
pô xico, me lembrei aqui de uma coincidência das mais estranhas (e morbida). num daqueles seus textos saborosos do caderno de esportes vc elegeu o estádio de santa maria, a baixada melancólica, como o melhor apelido de estádios do brasil. e parece q tem esse nome pq fica ao lado de um cemitério. esse mundinho é pequeno demais!
abraço
o estádio presidente vargas (nome oficial) do internacional-sm ganhou o apelido ainda durante a construção, nos anos 40…o cemitério municipal fica a 2 quadras dali…
Concordo com todas as palavras do Marcos Teles. É do Xico tb, claro!! A gente nem sabe mais o que dizer porque, realmente, era uma tragédia anunciada… aconteceu agora, mas podia já ter acontecido diante das circunstâncias… eu tenho NOJO do que estamos nos transformando… sociedade doente que lava as suas mãos sempre e depois vira esse circo… sou mãe e estou há quatro dias chorando… eu, com certeza, seria aquela mãe que ligou 104 vezes no celular do filho…
Chico, permita lembrar outro verso que complementa o seu (nosso) embruiamento de estambo: “A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.
Ouvi uma uma frase uma vez numa série americana que dizia que quando você perde um cônjuge, se torna viúvo ou viúva, quando é criança e perde o pai, se torna órfão de pai, quando é criança e perde a mãe, órfão de mãe, mas quando você perde um filho, a dor é tão terrível que não existe um nome.
Nunca esqueci isso… Também acho que a dor as vezes é tão grande que além de embrulhar o estambo, dar fastio e todas as outras mazelas, o silêncio também é um efeito colateral.
Bjoks e paz no coração!
Dor de mãe…porque ser mãe é ser co-partícipe da criação.Se a dor de mãe é descomunal, imagina a dor de Deus, um pai tão bom, vendo seus filhos viverem assim tão estupidamente a ponto de não se aperceberem da fragilidade das cidades e suas construções. Dor de mãe é descomunal, mas maior deveria ser nossa vergonha coletiva de deixar que isso “ainda” aconteça, num mundo de tantas vigilâncias e protocolos. Parabéns pelo artigo.
Xico senti o tanto que você se contorceu, se espremeu em indignação e tristeza para escrever sobre essa tragédia. Meu receio, caro amigo, e se prepare, é que estamos vivendo numa atmosfera de vulnerabilidades e as pessoas, em massa, até na hora do divertimento estão exalando individualismo e desespero. Parece que estão sempre indo para a última festa de suas vidas. Grande abraço, companheiro!
Xico senti o tanto que você se contorceu, se espremeu em indignação e tristeza para escrever sobre essa tragédia. Meu receio, caro amigo, é que estamos vivendo numa atmosfera de vulnerabilidades e as pessoas, em massa, até na hora do divertimento estão exalando individualismo e desespero. Parece que estão sempre indo para a última festa de suas vidas. Grande abraço, companheiro!
Estava esperando vc falar sobre isso. Muito bom, como sempre, e muito triste tbm. Abraços.
gracias, Regina Helena.beijo
Já dizia o outro Chico. “A dor da gente não sai no jornal”, Ah sai, sai sim, e o pior, não é agora. O trauma da perda,dessa perda que mãe bem sabe, não ignorando os pais, não vem agora. Aparece meses, anos depois. E a dor fica, tem que ser trabalhada, escrita, sentida até embrulhar mais e mais o estômago sim. A dor tem que sair no jornal porque a punição, essa, bem, vez por outra, fica a dever…
Tragédias Cotidianas
Minha amiga Rita Rodrigues me perguntou se eu não comentaria sobre o que aconteceu na casa de shows em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Eu disse a ela que não havia muito o que comentar. Pensei realmente em não escrever nada sobre o assunto. Estava esperando esgotar toda a exploração midiática e política do acidente.
Após refletir,decidi que não devo e não posso perder o direito de me indignar sobre mais uma tragédia.
A indignação começa quando as vidas perdidas já não importam,importam apenas as melhores imagens,os melhores ângulos,aquela imagem exclusiva. Me indigna também os comentaristas profissionais,com suas suposições e falastrices.
A indignação aumenta quando começam a apontar os culpados. O culpado é o músico,não poderia ter usado fogos de artifício no palco. A culpa não é do músico,a culpa é todos nós. Nós matamos os jovens na casa de shows. Nós acendemos o fósforo que matou um pouco de uma nova geração de brasileiros. Porque somos nós que fazemos as escolhas erradas,somos nós que não damos atenção à corrupção que destrói nossas vidas. Somos culpados porque não cobramos devidamente aqueles que nos representam. Somos culpados porque não amamos os nossos iguais. Somos culpados porque somos egoístas.
Nós matamos os jovens em Santa Maria,porque sabemos que a fiscalização nas prefeituras são apenas órgãos paralelos de arrecadação para políticos. Sabemos também que os donos da casa de shows , que só pensavam no lucro e certamente pagavam propina à alguém.
Somos todos culpados porque as tragédias não mais nos assombram,elas viram espetáculo.
E é sempre assim,depois da tragédia,vem a exploração da mídia,vem a comoção,vem o choro. Culpa-se o mais fraco. Inventam uma nova lei. E daí ,vamos dormir confortados e esperar a próxima tragédia. E as tragédias vêm sempre embaladas para presente.
Depois dos funerais,esvaziam-se as manchetes,vem o esquecimento.
Mas um coração de mãe vai sangrar todo dia,até o fim dos tempos.
Marcos Teles.
Com a mesma intensidade, todos nós somos carrascos e vítimas.
E assim prossegue a velha humanidade.
Simples, poético e amoroso. Você me emociona.
Um beijo pra tu e outro maior ainda para D.Socorro.
Xico, bom dia! A morte destas pessoas não é normal. Por aqui, fica a imagem da tragédia reverberando nas nossas mentes como assunto de aula que vai cair na avaliação mensal, como houvesse a certeza mórbida do eterno luto.
Como bem disseste, como certeza fica a cara do sofrimento materno, cuja justiça, mesmo que feita ao rigor da lei, não se apagará nesta vida.
Verdade Xico, “é de embruiá o estombo” eu ñ aguento ver mais nada na TV. Pois a cada familiar que ela mostra chorando a perda do filho, me dá náuseas e eu choro tbém. É lamentável. Perder um filho não parece a ordem natural da vida. “Pra morrer basta tá vivo”! “Eta vida besta meu Deus”!
Querido Xico Sá, Santa Maria foi a cidade que meu pai se letrou, e assim como ele, todos os meus 6 tios. Foi ali que meu pai se tornou um jovem rapaz e tomou rumo para o Rio de Janeiro, e cá veio estudar Direito. Até então aquela cidade guardava uma singela lembrança… o caminhar de meu pai no Colégio de Padre aonde estudou me segurando pelas mãos ou no colo… agora Santa Maria é mundialmente marcada por uma imbecilidade… não quero culpar ninguém.Sim agora é tarde para culpados… “os guris estão dormindo”. Sou metade “Maragato” e me honro disto! Desculpe se me extendo, me orgulho também da Solidariedade gaúcha demonstrada em Manifestação de Paz… foi lindo,um exemplo para todo o país, para todo o mundo.! Eu Amo o Sul e sim o Rio Grande merece este nome.,pois eles são um povo diferente! Eles são grandiosos em demonstrações de afeto e de civilidade!De tudo que posso falar da imprensa, e da forma mórbida como alguns veículos de comunicação trataram do assunto, o SR. Chico Caruso foi o pior… ele mandou mal, tripudiou e escarrou com sua charge… não perdôo… obrigada pela bela crônica, sinto o teu pesar em escrever tal assunto… beijos, Silvana Farinatti