Como se vingar de um homem mau
23/01/13 01:06E no segundo episódio das Ficções de Verão, sempre baseado em fatos reais, um caso de vingança, vingança, vingança:
Era um daqueles dias mais quentes dos últimos anos que o noticiário adora dizer que foi o dia mais quente dos últimos séculos em São Paulo.
B., a enfermeira do São Camilo, acabara de terminar, exausta, o turno de trabalho na emergência. Saíra para fumar um cigarro na calçada antes de pegar a bolsa e voltar à Vila Nova York, Aricanduva, ZL.
-Olha quem tá lá, perto da banca! – o amigo taxista na frente do Souza, boteco da Avenida Pompeia com a Tavares Bastos, alertou sobre a presença da mulher que eu desejava havia dois meses.
Neste dia, embriagado de coragem, resolvi falar com ela. Mesmo não sendo fumante, comprei um maço de Camel, atravessei a avenida e pedi fogo. Acendi o cigarro no dela.
(Bestamente lembrei do título de livro que mais gosto na vida: “Todos los fuegos el fuego”. Julio Cortázar).
Tentei puxar uma conversa fiada. Os monossílabos de B. subiam aos céus com a fumaça sinuosa do desprezo como resposta.
Insisto, nervoso, mais desarticulado ainda.
Ela começa a chorar da maneira mais feminina. Do nada.
-Morreu alguém no seu plantão?
-Não. Morri eu mesma antes de sair de casa –ela disse.
-…
-O filho da puta do meu noivo.
-Te traiu?
-Antes fosse.
-Desistiu do casamento?
-Não quero falar sobre isso, com licença.
Pedi desculpas e ela entrou no hospital, raivosa, enxugando as lágrimas.
Segui para casa. Quando chego à Raul Pompeia, me assusto com aquela mulher pegando firme no meu braço.
-Preciso me vingar de alguma forma –disse a enfermeira.
-Se vingar…
-É, não posso ficar nesse chororô antes da vingança.
-Estou indo para casa.
-Posso ir também, você não tem mulher, tem?
Assustado eu disse sim, venha.
-Não quero chorar, entenda, quero me vingar, não quero ombro, por favor não seja bonzinho –disse.
Fiquei nervoso.
Na dúvida, pus a coisa mais óbvia, na radiola: um vinil do Sérge Gainsbourg. Não tenho mesmo criatividade.
Fiquei nervoso. Será que vou dar conta.
Minha gatinha de quatro patas ronronava: “Que roubada”.
Diante daquele desacerto e da tempestade de reticências, lembrei que estávamos no dia mais quente dos últimos séculos.
Aproveitei que ela voltava do banheiro da edícula e joguei o primeiro jato de mangueira na sua roupa branca. Entre um assombro e um riso de maluca, ela pareceu gostar da brincadeira. Estava um pouco alta de bebida.
Dosava. Jatos mais fortes entre as coxas e jatos mais leves, bem leves, nos peitos. Ela girava para receber água nas costas.
-Mais forte –ela pedia. –Agora vem você!
O dia mais quente dos últimos quarenta anos, dizia, com mais exatidão meteorológica, o rádio da vizinha.
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