Breve homenagem a Rubem Braga, 100
12/01/13 01:21Hoje é o dia em que o homem-crônica completaria 100 anos. Viva o centenário Rubem Braga (1913-1990), o cara que moldou esse gênero vira-lata da literatura brasileira -era assim mesmo que tratava a própria obra.
Publico a seguir um texto que fiz para RB durante uma visita a sua terra, Cachoeiro do Itapemirim, a mesma de Sérgio Sampaio (“Eu vou botar meu bloco na rua”) e de Roberto Carlos:
A arte da vagabundagem crônica
Algumas saem fáceis, como aparentam aquelas de Rubem Braga, como uma polaroid, uma pose digital, olha o passarinho, olha a borboleta amerela, diga xis, um sabiá teimando contra o barulho da metrópole, fáceis como beijos roubados de mulheres difíceis…
Outras nascem na dança, na pista, uma moleza, como empurrar bêbado em ladeira, como Vinícius no elogio de uma saboneteira, como descer para um café ou uma cerveja lá na esquina da Augusta.
A crônica é uma costura para fora, mesmo sabendo quanto custa a mais-valia da musa da encomenda, mesmo sabendo que na vida não tem almoço de graça, muito menos sobremesa, mesmo sabendo que a vida não é café pequeno, mesmo sabendo que no fundo da xícara, na borra mais árabe, o desenho do futuro, Etelvina, é obscuro, o jogo do bicho, Etelvina, ainda não permite o teu luxo, a vida, minha menina, é cronicamente inviável.
Algumas, menina, são crônicas de britadeiras, saem na marra, à força, furando o asfalto para tirar uma florzinha de nada, a peleja do escriba com o lirismo que não chega nunca, as chagas abertas, croniquinha raquítica, só o fiapo de narrativa, sem sustança, sem tutano, coisinha sem graça, metalingüística, a crônica sobre a crônica falta de assunto.
Algumas vêem ao mundo para confundir a audiência, são crônicas-travestis, arte dos cronistas transgêneros… Pois é, menina, a gente não sabe se é um conto, uma rápida elegia expressionista, um poema em prosa, sabe-se lá, menina, mas mesmo não sendo nada já nasceram crônicas.
Algumas, não têm jeito, eram apenas notícias, que o dedógrafo teimou em decepar as aspas, minha menina, e enfeitar o naturalismo como pôde, coitado.
Algumas, menina, são para ninar as moças nas sestas, como as de Antônio Maria, tu sabias?
Algumas são de costumes, e até ficam como registros históricos, crônicas de épocas, já ouviste falar, por acaso, em João do Rio?
Algumas já nasceram crônicas de rua, como a grande arte de chutar tampinhas, como os sem-teto e malacos, como os bambas das sinucas das antigas, aí já estamos em João Antônio, manja?
Algumas são do amor louco, menina, como aquelas do velho Charles, o safado catando milho na Remington, menina, com aquela outra menina na praia, gaivotas quase a biscar os peitos, como no cinema.
Algumas, minha adorável criatura, minha menina sem nome, são como aquelas que simplesmente distraem o feirante antes dele embrulhar o peixe, a banana e, quem sabe, também as flores.
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