O baião-de-dois e o conto da comida de grife
04/12/12 03:37Talvez você seja de um lugar que nunca vai ter ideia do que estou falando. Isso é que é bonito.
Talvez você seja de um Brasil que só conhece a cartografia de NY e de Londres. Adoro as duas cidades, mas mesmo assim eu insisto.
Cosmopolitismo de cool é rola!
Jeca Tatu pode ser Jeca total, se é que você me entende.
A grife do baião-de-dois, como começaria outro dia uma crônica pros jornais “Aqui-DF” e “Aqui-CE”, essa coisa eternamente antropofágica e tupinambá (ou caeté) como o sangue da minha amada, indiazinha com sangue do Ceará e de Pernambuco, indiazinha que diz, quando eu me aproximo: “Lá vem minha comida se bulindo”.
Sabe aquela coisa de se aproveitar da comida de raiz, no sentido de origem da palavra radicalidade ou radical, e fazer do prato popular uma fortuna?!
Não, amigo, não tem nada a ver com as trapalhadas do sorteio da Copa das Confederações o que eu vou falar agora, de cara.
Assim como foi o cozinheiro paulistano de grife Alex Atala, um gênio, poderia ser qualquer um de nós. O menino só meteu a mão na cumbuca. Acontece. Eu faço isso diariamente, todos nós fazemos.
A sorte é que nem sempre é em público.
Mas o que vou tratar diz respeito a vender comida popular cara demais. Parem com isso. É plágio, para não dizer roubo.
Nego pega um baião-de-dois, por exemplo, dá um trato em restaurantes finos e cobram os olhos da cara.
Mesmo assim vale para mil e uma receitas. O baião vai como metonímia, parte pelo todo.
Seja em uma certa Fortaleza para turista ver ou qualquer capital nordestina para classe média pagar de besta. Não pode.
É roubo.
Seja no Distrito Federal e seja, principalmente, na ilusão maluca do eixo Rio/São Paulo.
Aqui nem se fala. Cadê a polícia que não vê uma coisa dessas?!
Outro dia liguei para minha mãe, dona Maria do Socorro, habitante do bairro da Timbaúba, em Juazeiro do Norte, e disse quanto havia pago na famosa iguaria com matriz sertaneja, mesmo sem o queijo derreter direito sobre o arroz com feijão da existência.
Um baião-de-dois tão errado como se a França vendesse o Existencialismo sem Jean-Paul Sartre, esse qualho enfezado sem derretimento.
E vos digo: baião-de-dois de responsa leva pequi da Serra do Araripe.
No que a minha santa mãezinha, como ia contando aí acima, deu o pipoco: “Por esse dinheiro, meu filho, eu já cozinhei para um batalhão de homens, para um ajuntamento que construía um açude”.
Sim, amigo, nas capitais, um baião-de-dois custa os olhos da cara. A cópia chique do prato nordestiníssimo.
O original continua caseiro e de custo decente. O que acontece é que a classe média cai no conto de comer mais a marca do que o arroz com feijão de fato. Isso que alimenta a comida. Falo da comida com assinatura. Daí damos margem para toda sorte de ladroagem e molhinhos picaretas.
A classe média adora cair no conto de qualquer molhinho de grife. Molhinho que muotas vezes destrói a receita materna e de origem, você sabe disso, amigo.
Mas besta é quem cai nessa besteira. Só para sair arrotando que almoçou em tal canto etc. Só para dizer para os amigos que está podendo. Só para deixar o carimbo de abestalhado pregado na testa.
Trato do tema porque agora a onda é pegar um prato caseiro e transformá-lo na “comida dos deuses”.
Ainda bem que dona Maria do Socorro, minha santa, jamais vai cair nessa lenda. Até porque é infinitamente melhor do que esses enganadores de grife.
Mas cai quem quer, não é, meu amigo? E a capacidade de ser enrolado pela coisa de marca, seja comida ou seja roupa, não tem limite.
O mundo está cheio dessa gente que adora ser roubada. Sorte dos espertos que inventam o truque.
Boa sorte contra a ladroagem e até a próxima semana. E agora com licença que vou me fartar de comida sem assinatura. Comida de gente.
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