Lambendo o chão dos amores perdidos
24/11/12 16:26Tomava tranquilamente a minha cerveja com comida de homem de verdade, na Adega da Velha, em Botafogo, Rio de Janeiro…, quando, do nada, surge o amigo D., Tom Waits no fone de ouvido, arrastando a sua antologia de ressacas e pendências morais.
Antes fosse apenas esse fardo. O velho companheiro de imprensa, que sempre se gabou de sua romântica canalhice com as mulheres, estava lambendo o chão sujo dos amores perdidos. Um vira-lata sentimental, um cão vadio chutado por uma mulher-abismo.
É, amigo, para o cafa descer a essa condição é porque, realmente, as mulheres estão conquistando o monopólio do pé-na-bunda. Até um legítimo canalha é capaz de morrer de amor nos trópicos.
Definitivamente.
Tem até respaldo estatístico minha tese de botequim:
De 2008 para cá, os sismógrafos conjugais do IBGE já mostraram que as fêmeas são responsáveis por 71,7% das separações não consensuais –situação em que um pombinho quer cair fora e o outro senta na margem do rio Piedra e chora.
Donde revisito meu velho mantra: em matéria de fim de relacionamento, homem é frouxo, só usa vírgula, no máximo um ponto e virgula; jamais um ponto final.
Sim, o amor acaba, como sentenciou a mais bela das crônicas de Paulo Mendes Campos: “Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar…”
Acaba, mas só as mulheres têm a coragem de pingar o ponto borrado da caneta-tinteiro do amor. Fato, amigo absolutista.
Às vezes o ponto final vem com três exclamações, como nas manchetes sangrentas de antigamente.
Sem reticências…
Mesmo, em algumas ocasiões, contra a vontade. Sábias, sabem que não faz sentido prorrogação, os pênaltis, deixar o destino decidir na morte súbita.
O homem até cria motivos a mais para que a mulher diga basta, chega, é o fim!!! Canalha. Vagagundo. Cachorro.
O macho pode até fugir para comprar cigarro na esquina e nunca mais voltar. E sair por ai dando baforadas aflitas no king-size do abandono, no Camel sem filtro da covardia e do desamor.
Mulher se acaba, mas diz na lata, não trabalha com metáforas nem cartão de crédito. Nesse sentido, não divide, paga para ver, à vista.
Melhor mesmo para os dois lados, é que haja o maior barraco. Um quebra-quebra miserável, celular contra a parede, controle remoto no teto, óculos na maré, acusações mútuas, o diabo-a-quatro.
O amor, se é amor, não se acaba de forma civilizada.
Nem no Crato…nem em Estocolmo. Nem no Beco da Facada, no Recife.
Se ama de verdade, nem o mais frio dos esquimós consegue escrever o “the end” sem uma quebradeira monstruosa.
Fim de amor sem baixarias é o atestado, com reconhecimento de firma e carimbo do cartório, de que o amor ali não mais estava.
O mais frio, o mais “cool” dos ingleses estrebucha e fura o disco dos Smiths, I Am Human, sim, demasiadamente humano esse barraco sem fim.
O que não pode é sair por ai assobiando, camisa aberta, relax, chutando as tampinhas da indiferença para dentro dos bueiros das calçadas e do tempo.
O fim do amor exige uma viuvez, um luto, não pode simplesmente pular o muro do reino da Carençolândia para exilar-se, com mala e cuia, com a primeira criatura ou com o primeiro traste que aparece pela frente.
Agora, com licença, preciso cuidar do camarada D., arrasadíssimo. Seu Francisco, mais uma aqui pro amigo. O xará, garçom-proprietário, entende do que se passa em um coração de um pobre homem.
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